O NOVO MERCADO INVISÍVEL DA ELETRICIDADE VERDE USADA NOS TRANSPORTES
2025-10-30 22:05:06

A RED III é mais do que uma diretiva europeia: é a tentativa de transformar a eletrificação em política industrial, de dar preço e mercado à energia limpa. Portugal tem experiência, conhecimento e capital humano para o fazer. Os Títulos de Eletricidade Renovável e o sistema de créditos da RED III A Diretiva (UE) 2023/2413 (RED III) promete transformar a eletricidade renovável destinada à mobilidade num mercado com valor próprio. Portugal não chega cedo, mas ainda pode liderar , se transformar o quilowatt-hora verde num verdadeiro ativo económico. O modelo nasceu longe da Europa. Em 2009, a Califórnia criou o Low Carbon Fuel Standard (LCFS), um sistema pioneiro de créditos que atribui valor económico à energia limpa usada nos transportes. A ideia espalhou-se: os Países Baixos, a Alemanha e a França adaptaram o conceito, permitindo que cada quilowatt-hora de eletricidade renovável usado em veículos elétricos gerasse um crédito transacionável. Hoje, esses sistemas movimentam milhões de euros e inspiram a nova política europeia. É essa a lógica da Diretiva RED III, que obriga os Estados-Membros a criarem (o prazo acabou em maio de 2025) um mecanismo que valorize a eletricidade renovável usada na mobilidade. Portugal chega agora com um projeto de decreto-lei , que esteve em consulta pública até 25 de outubro ,, e, com ele, a oportunidade de criar um sistema eficiente, credível e com impacto económico real. O princípio é simples: quando um veículo elétrico é carregado com eletricidade verde, é gerado um Título de Eletricidade Renovável (TdE) a favor do operador ou proprietário do carregador usado para o efeito. Esse título tem valor, porque pode ser vendido aos fornecedores de combustíveis fósseis, obrigados a incorporar energia renovável nas suas vendas ou, em alternativa, a compensar a não incorporação. É o espelho elétrico dos Títulos de Biocombustível (TdB) , criados em 2010 ,, mas agora aplicados à mobilidade elétrica, com instrumentos digitais e rastreáveis, em linha com o sistema das Garantias de Origem (GO). Na Europa, a experiência mostra resultados. Nos Países Baixos, o sistema HBE vigora desde 2015; a Alemanha opera o THG-Quoten; e a França desenvolve o seu próprio esquema (TIRUERT). Em todos, a eletricidade renovável usada no transporte passou a ser tratada como um ativo financeiro, negociável e previsível. Em Portugal, o potencial é evidente. Um sistema bem desenhado poderá dar liquidez aos operadores de postos de carregamento, permitir aos produtores de renováveis valorizar as suas GO e incentivar o investimento privado a financiar a descarbonização do transporte. É, por isso, uma forma de reduzir a dependência de apoios públicos e de dar expressão económica à transição energética. Mas o diabo está, como sempre, nos detalhes. No texto que esteve em consulta pública não é claro quanto a quem serão atribuídos os TdE (o conceito de “fornecedor de eletricidade para a mobilidade elétrica” não é conhecido no setor e presta-se a leituras díspares), e deixa de fora o carregamento privado, onde se concentram as grandes frotas empresariais , justamente as que podem contribuir mais rapidamente para a descarbonização. É uma limitação comum nas primeiras fases destes sistemas, também observada noutros países, mas que Portugal poderia antecipar desde já. A RED III é mais do que uma diretiva europeia: é a tentativa de transformar a eletrificação em política industrial, de dar preço e mercado à energia limpa. Portugal tem experiência, conhecimento e capital humano para o fazer , e a oportunidade de mostrar que a transição energética também pode ser um motor de competitividade. Débora Melo Fernandes / Sócia da Pérez-Llorca