ENTREVISTA A ANTÓNIO COSTA PINTO "[ESTE CASO] É UM DESAIRE TENEBROSO PARA A EXPERIÊNCIA DO PODER DE ANTÓNIO COSTA"
2023-11-13 07:33:06
António Costa Pinto "[Este caso] é um desaire tenebroso para a experiência do poder de António Costa" Ao DN, O investigador no Instituto de Ciências Sociais de Lisboa (ICS), considera que o PS tem dois bons nomes para a sucessão de António Costa. No entanto, diz, o caso mancha a reputação do primeiro-ministro demissionário e do próprio partido. Em menos de dois anos, o Governo chegou ao fim. É o primeiro de uma maioria monopartidária que não conclui uma legislatura. Entre casos e casinhos, o Governo estava, à partida, "inquinado" já há muito tempo? Qual ó a sua opinião? A demissão do primeiro-ministro, com base nas suspeitas do aparelho judiciário é inédita. E de algum modo não se pode correlacionar com o acontecimento anterior. Num certo senti do, poderia acontecer a qualquer Governo. Maioritário, minoritário, com mais ou menos casos e casinhos, porque se trata obviamente de uma investigação autónoma. Não remete para o sistema político, remete para uma investigação judicial. Por outro lado, convém não esquecer que se é verdade que tínhamos um Governo de maioria absoluta de um só partido, algo já relativamente raro, e que é duvidoso que se venha a repetir num futuro próximo. A verdade é que estamos a falai; para a memória dos portugueses, de António Costa, primeiro-ministro, e de um Governo com grande continuidade da elite ministerial há oito anos. Portanto, independentemente das dinâmicas eleitorais, os portugueses percecionam este Governo socialista como um Governo que, no fundamental, governa há oito anos. Já sabemos que vamos ter eleições a 10 de março. Olhando já para o ato eleitoral, conseguirá o PSD capitalizar esta vantagem que tem, à partida, em relação ao PS? E como se perspetivam Chega e Iniciativa Liberal e os restantes partidos, uma vez que é expectável que não haja, novamente, uma maioria absoluta? Não gostava de opinar pelo modelo de achómetro, sobretudo porque estas eleições são desencadeadas a partir de um acontecimento que, obviam ente, j á está contaminado pelo tema da corrupção. Temos de esperar peia reação dos portugueses em termos de atitudes eleitorais. Mas eu diria que, ao contrário das visões mais subjetivas opinantes, nomeadamente sobre a qualidade dos líderes políticos, muitas vezes a conjuntura surpreende a elite. Se se lembrar do que se dizia de Durão Barroso, antes de ele chegar ao poder, se se lembrar das opiniões subjetivas sobre a qualidade da liderança do PSD... Em conjunturas de crise, muitas vezes, ganham-se eleições simplesmente porque se está no lugar certo, no momento certo. O mesmo se passou, muitas vezes, nos últimos dias. Isso tem sido muito referido com base na legitimação do Presidente da República deque esta eleição foi ganha por António Costa. Não podemos esquecer: a personalização política é importante e o eleitorado português pensa na figura do primeiro-ministro. Mas existem clivagens de esquerda e direita, existem atitudes. Se António Costa, de repente, se candidatasse pelo PSD teria 10% de votos. Portanto, não vamos exagerar essa dimensão. Este choque vai provocar alterações nas intenções de voto. Qual é o panorama? Hoje é evidente: a direita pensa estar à altura da oportunidade de ganhar eleições e construir um governo alternativo. Não vale a pena falar no Chega. Tudo o que se diga agora, e se vai dizer em campanha eleitoral, pode alterar-se. Mas há um fator que não vai mudar: 2015. Foi uma grande inovação. A elite política vai olhar para quem tem a maioria no Parlamento, quem pode formar um Governo. O que não acontecia no passado. Esse será o fator mais importante. Evidentemente, também, qual é o objetivo, sobretudo do PSD e do Bloco de Esquerda? É ir ao património eleitoral do PS das últimas eleições. Foi visível, aliás, sob o ponto de vista estratégico, sobretudo, por exemplo, no BE: "Quanto mais cedo [as eleições], melhor." Porque é natural que, obviamente, depois de ter perdido o que perdeu em2022, o BE queira recuperar alguns votos ao PS. E o mesmo se poderá dizer da estratégia moderada, equilibrada, do PSD em relação ao eleitorado de centro. Como fica a imagem política de António Costa, que foi alguém que formou três Governos, mas só um chegou ao fim da legislatura? E até do ponto de vista europeu, era alguém que tinha algumas ambições para um cargo, como presidente da Comissão Europeia. António Costa ficará na história da democracia portuguesa e já tem lá lugar por três fatores. Em primeiro lugar, por ter construído uma maioria parlamentar à esquerda com uma solução governativa pela primeira vez em Portugal. Em segundo lugar, por ter recuperado muito eleitorado da esquerda radical, tendo sido o principal ganhador do programa político e económico de tipo social-democrata com muito poucas concessões à esquerda radical. E em terceiro lugar, por ter no fundamental, recuperado as Finanças Públicas e este será o PS das contas certas, será esse o seu principal património. Ou seja, retirou à direita aquilo que era, desde a falência de Sócrates, o seu tema mais importante. Infelizmente para ele, não retirou o que vai acontecer à direita, que é, obviamente, falar no tema Sócrates e no tema da corrupção, que será abundantemente utilizado na campanha eleitoral. O grande problema da elite política em reveses com a Justiça, é que já não tem tempo de recuperar E os próprios partidos políticos também não recuperam, porque fica sempre a suspeição na opinião pública. O mesmo se passa na cena política europeia. Portanto, era preciso que ele tivesse tempo, no que toca ao Sistema Judicial português, para ainda ter algum futuro político na cena europeia. E o próprio PS, como fica a imagem do partido, após este caso? Esse é, sem dúvida nenhuma, o tema mais interessante. Porquê? Este tipo de conjunturas críticas, ora provocadas por temas de corrupção, ora provocadas por outros, dão muitas vezes origem a verdadeiras revoluções no sistema partidário. Vivem-se muitas vezes até implosões ou, pelo menos, grandes alterações. O caso português tem ilustrado, apesar de tudo, que o PS e o PSD têm resistido bem a estas dinâmicas de revoltas eleitorais anti-mainstream parties, que acompanham muitas vezes apolítica europeia. Qual é a principal dúvida? Estamos exatamente na conjuntura ideal para que isso aconteça ao PS. No entanto, por acasos da sorte, eventualmente, o PS pode ter uma alternativa de candidatura a António Costa percecionada pelo eleitorado de esquerda não como d e um amigo político, mas si m independente de António Costa, independentemente do que vai surgir sobre ele. Vamos ter uma campanha eleitoral, não diria suja, mas muito próxima desses temas.com um discurso mais baixo. Caso seja Pedro Nuno Santos, lá virá o caso TAP e essas coisas todas, mas, muito provavelmente, vai conseguir manter a estrutura partidária do aparelho socialista e recolocá-la em movimento. Nada disto tem a ver com ganhar eleições, mas poderá ter a ver com manter o PS como o principal partido à esquerda do leque político e evitar erosões semelhantes àquelas a que já assistimos noutras noticias. Pedro Nuno Santos daria um bom secretário-geral do PS? Não é a minha função dizer quem é o melhorou pior. É apenas dizer que as conjunturas críticas colocam as elites políticas perante uma decisão que têm de tomar e que não estavam à espera. Assim como para Luís Montenegro. Podia ter acontecido o mesmo a Rui Rio, mas aconteceu a Luís Montenegro - e tem aqui uma estrutura de oportunidade mui to significativa. No caso do PS, independentemente da existência de vários candidatos, Pedro Nuno Santos tem um apoio interno significativo – não é uma personagem externa ao partido- e, depois, goza da vantagem, em termos eleitorais, de ter dois elementos. O primeiro é que é conotado por segmentos, inclusivamente da opinião pública, como pertencendo a uma ala esquerda do PS. Gostava de salientar que, em minha opinião, isso não exista O diapasão ideológico que separa os principais dirigentes do PS é pequeno, ainda que, muitas vezes, seja percecionado pela opinião pública como grande. E, muito menos, a existência de fações baseadas em dimensões ideológicas. Pedro Nuno Santos terá provavelmente a oportunidade política de apresentar um PS a eleições que desafie à sua esquerda também. Portanto, poderá capitalizar alguma mobilização do eleitorado de esquerda contra o que também já sabemos que estará sempre em curso, que é o PSD e o Chega. E José Luis Carneiro, como é que perspetiva a candidatura? José Luís Carneiro tem, também, duas vantagens. Tem uma vantagem interna, porque convém ter em mente também que o que está em causa é um candidato a primeiro-ministro em eleições. Mas para ganhar eleições internas, convém que se tenha alguns apoios. José Luís Carneiro conhece bem o aparelho do partido. Foi secretário-geral-adjunto, e, portanto, tem alguma capacidade de mobilização interna. Mas outros também a têm. Simplesmente aconteceu. Houve a ideia de que António Costa levou os seus sucessores para o Governo. E alguns, nesta conjuntura, ficaram presos. Há um que, por acaso, está livre Pedro Nuno Santos. Como fica também aqui a questão das europeias? Tendo em conta que vamos ter duas ações eleitorais em poucos meses? Como fica, até, a composição de listas? Esse é um tema interessante. Tenho sublinhado muitas vezes que o nosso semipresidendalismo dá ao Presidente da República uma flexibilidade muito significativa em conjunturas de crise. E muitas vezes tudo o que aprendemos sobre a prática do semipresidendalismo do passado pode sofrer alterações. Assim como - facto bem conhecido - sabíamos que Cavaco Silva não teria nunca dado posse a António Costa se pudesse. Ao dar, alterou o modo de pensar, o modo de funcionamento da democracia portuguesa Também o Presidente da República o poderia ter feito nesta conjuntura. Mas seguiu o modelo tradicional. Porque o Presidente da República poderia ter mantido o PS com outro primeiro--ministro. Sei que era difícil, mas podia até ter anunciado politicamente, por exemplo, unir as eleições legislativas com as europeias. Ele tinha essa decisão na mão. Claro que o PS também poderia decidir não aceitar, não formar Governo e então teríamos sempre eleições legislativas. Para dizer a verdade, as eleições europeias neste momento ficaram claramente secundarizadas. Ao mesmo tempo, ficaram contaminadas justamente por aquilo que serão as legislativas em março. Não vale a pena dizer mais sobre isso, porque o elemento decisivo para a sobrevivência dos partidos, para o aumento ou diminuição do número departidos representados no Parlamento... isso vão ser as eleições legislativas. Outra dimensão tem a ver com a ação do Ministério Público e da própria Procuradoria-Geral da República em termos de imagem de instituição se tudo isto se revelar um pouco pífio... A grande vantagem do Sistema Judicial é que, digamos, há uma unidade com a qual ele não conta e essa é: como fica ou não perante a opinião pública. Claro que dentro desse processo, por exemplo, se segmentos da opinião pública explorassem o que acabou de se passar com o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que para grande infelicidade própria, mas inimputável, dá uma entrevista a dizer que o país está cheio de corrupção e dois dias depois o primeiro-ministro é indiciado... Mas tem uma enorme vantagem, é que fica no mesmo sítio. O Sistema Judicial não tem como unidade de conta a conjuntura política ou económica no que toca a este tipo de casos. Feliz ou infelizmente, o justicialismo fica na mesma e a sua pergunta tem esta resposta: fica na mesma. É indiferente. Se perguntar ajuízes italianos, franceses, espanhóis ou portugueses, dirão todos o mesmo. Contudo, há marcas que, diria, danificam seriamente a qualidade das instituições políticas. A lentidão, sem dúvida nenhuma. Claro que há as habituais fugas de informação, mas a lentidão... Basta ver o conjunto de ex-ministros e de políticos que viram a sua carreira política terminada, acabando inocentados cinco, seis anos depois. Azeredo Lopes, por exemplo... Poderíamos ir até mais para trás, com o caso de Miguel Macedo [foi arguido no caso dos Vistos Gold, demitiu-se em novembro de 2014). Esta derrocada política a praticamente seis meses dos 50 anos do 25 de Abril pode ter alguma influência no que se está a preparar? Pergunto isto até pelo facto de ser o coordenador da coleção de livros da Tinta--da-China. Acha que pode haver algum tipo de travão? Em princípio, não haverá grande tempo para o novo Governo alterar sensivelmente o programa das celebrações do 25 de Abril. A única dúvida será, obviamente, sobre o que os atores políticos vão dizer em pré-campanha eleitoral sobre essas celebrações, nomeadamente os partidários da direita radical e de direita no geral. Pode ser que o tema do 25 de Novembro volte. O tema do 25 de Abril tem, a partir do passado, um grande consenso entre o PSD e o PS. Agora, com um partido de direita radical populista, é natural que isso aconteça. E acontece também por outra razão. Deixe-me só ser muito claro. Aqui, como em outras áreas, o PSD tem um desafio interessante com a Iniciativa Liberal. Porque a IL, sobretudo com a nova liderança, tem encetado uma dinâmica de maior radicalização, quase em concorrência com o Chega, muito embora mantenha um programa liberal clássico. Mas tem salientado muito as roturas do 25 de Novembro. Será interessante ver como é que, sob esse ponto de vista, se comporta o PSD, que tem um desafio à sua direita. No dia seguinte à demissão de António Costa, o El País referia--se à queda do primeiro-ministro como a perda de um referente ou de um referencial para a esquerda europeia, em termos latos. Se olharmos para a Europa, em Espanha Sánchez até vai tentar a investidura esta semana apesar de não ter sido o mais votado nas eleições de julho, mas quer em França, quer na Grécia os partidos socialistas estão em mínimos históricos, será este o derradeiro golpe na cabeça do PS? A geringonça e o sucesso da recuperação das Finanças Públicas em Portugal foi obrado Governo - porque os governos estão lá para se apropriarem politicamente dessas dimensões, à direita e à esquerda... Mas a associação entre o Governo de esquerda estável e uma política económica e de equilíbrio fez com que António Costa, num certo sentido, resgatasse a imagem da social-democracia e de um partido social-democrata no sul da Europa, sobretudo quando a maior parte dos partidos socialistas sofreram grandes desafios eleitorais ou até praticamente desapareciam. O caso do PASOK, por exemplo... O caso do PASOK, mas também o caso da França e o caso, inclusivamente, do PSOE, que no passado chegou a ter; digamos, desafios que o PS nunca tinha. O PS também está um bocadinho em baixo. Sob esse ponto de vista, a queda do Governo e o que acabou de acontecer é um duplo desaire que convém não subestimar. Não vale a pena iludir-nos, é um desaire grave para a imagem externa do país, em termos de elite económica e política internacional. E é evidentemente um desaire tenebroso para a experiência do poder de António Costa, que pelo menos a curto prazo será derrubada por este caso. Já tivemos duas experiências, dois desaires do PS: temos o caso da troika em 2011, mais recente, mas se recuarmos temos ainda o resgate de Mário Soares, mais para trás. Muito embora vá tentar na campanha eleitoral, será muito difícil para a direita provocar uma ilusão dramática à imagem positiva da gestão económica e financeira do Governo. Mas o tema da corrupção, o tema da crise, o tema da má gestão governamental, esse sim será, evidentemente, o tema dominante, pelo menos nos próximos meses. Ou seja, António Costa teve sucesso em libertar o PS da herança de Sócrates, mas ironicamente vai levar com Sócrates no final do seu mandato.