GLOBAL - SÁNCHEZ MANTÉM O PODER, MAS COM PROMESSAS DE CONTESTAÇÃO
2023-11-19 09:35:34

TEXTO Ricardo Santos Ferreira rometo, por minha consciência e honra, cumprir fielmente as obrigações do cargo de presidente do governo, com lealdade ao rei. e preservar e defender a Constituição como norma fundamental do Estado", jurou Pedro Sánchez. secretário-geral do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE). quando foi confirmado. na sexta-feira, 17 de novembro, para formar governo. o seu terceiro, depois de ter sido investido pelo Congresso dos Deputados, por uma maioria de 179 favoráveis. O comprometimento com a preservação e a defesa da Constituição, jurado no Palácio da Zarzuela. na presença do rei Filipe VI. da ministra da Justiça, do presidente do Tribunal Constitucional e dos presidentes do Congresso dos Deputados e do Senado, tem outro relevo depois da forma como Pedro Sánchez construiu a geringonça parlamentar que lhe permitiu conservar o poder. Sánchez juntou ao Sumar. que, na prática, é seu parceiro de governo, o voto favorável do Partido Nacionalista Basco (PNV, na sigla em castelhano), os independentistas bascos do Euskal Herria Bildu (EH Bildu). o Bloco Nacionalista Galego (BNG) e a Coligação Canária, a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) e os Juntos pela Catalunha (JxCat). mas são estes dois últimos que ameaçam marcar a legislatura. ERC e JxCat negociaram a amnistia para os envolvidos na tentativa de autodeterminação da Catalunha que culminou com uma declaração unilateral de independência, em 2017 - que abrangerá cerca de 300 pessoas. incluindo o antigo presidente do governo regional da região Carles Puigdemont. o líder de facto do JxCat, que vive desde esse ano na Bélgica, onde é eurodeputado, para fugir à justiça espanhola. "Já é do conhecimento público que o Parlamento Europeu vai debater na próxima semana a legalidade da lei da amnistia, a pedido do Partido Popular Europeu, pois a decisão de Pedro Sánmas chez pode representar uma politização da j u s t i ç a e comprom e t e r a s e p a r a ç ã o de poderes", diz ao NOVO José Filipe Pinto, professor catedrático da Universidade Lusófona, especialista em relações internacionais. Desde que foram conhecidas as negociações e. depois, o acordo entre o PSOE e os partidos catalães que se têm multiplicado as manifestações de contestação nas principais cidades de Espanha, incentivadas pelo Partido Popular (PP), de direita, o mais votado nas últimas legislativas. e pelo Vox, de extrema-direita. a terceira força política parlamentar. Na capital cumprem-se duas semanas de noites consecutivas de manifestações e distúrbios, incluindo a vandalização das sedes do PSOE. O PP t em clamado por novas eleições, alegando que o PSOE recusava uma amnistia antes das últimas legislativas e só depois avançou para os acordos que a aceitavam. ERC e JxCat negociaram também o aprofundamento do poder das autonomias, compensações financeiras no quadro orçamental - como a possibilidade de a Catalunha reter todos os impostos que cobra - e ainda a possibilidade de se realizar um referendo para a i n d e p e n d ê n c ia da Catalunha, num processo em que participará um mediador internacional, o que os analistas consideram ser precedentes perigosos que podem pôr em risco a unidade do país. "Sanchez abriu não uma, mas duas caixas de Pandora com efeitos imprevisíveis. Por um lado. a Catalunha, o País Basco, a Andaluzia, a Galiza. Valência e Navarra poderão exigir um reforço dos seus poderes, tentando empurrar o reino de Espanha para um regime no qual o Estado central fica esvaziado da maioria das competências, como acontece com a Suíça. Por outro lado, as comunidades históricas de Cantábria e das Astúrias poderão repensar o tipo de estatuto que lhes foi c o n c e d i d o e a utilidade de manter esse estatuto legal no quadro de cedências feitas por Madrid", diz ao NOVO Tiago André Lopes, professor de Diplomacia e Relações Internacionais da Universidade Portucalense. "E não será surpreendente se os castelhanos começarem a exigir maior clareza legal do seu estatuto, uma vez que estão fragmentados entre regiões e comunidades históricas, mas carecem do reconhecimento em separado da sua nação, por esta ter sido assumida tacitamente como a espinha dorsal do Estado espanhol", acrescenta. "Em Espanha, tanto no continente como na parte insular, existem movimentos e tendências separatistas e autonomistas. Se a Catalunha continuar a exigir a realização de um referendo, apesar de anticonstitucional, visando a independência, é natural que o nacionalismo basco, em grande parte herdeiro da luta independentista da ETA, recorra à mesma reivindicação. Como é óbvio, uma vez aberta a caixa de Pandora autonomista, é previsível que os movimentos que têm esses ideais, uns mais latentes - convém não esquecer a tendência separatista galega outros de forma mais desperta, sintam que chegou a hora de desafiar o centralismo de Madrid", reforça José Filipe Pinto. Acresce, no quadro geopolítico, que a União Europeia, tal como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO, na sigla em inglês), de que Espanha faz parte, está comprometida com a defesa da integridade territorial dos seus membros. No acordo entre o PSOE e o JxCat. a realização de um referendo de autodeterminação sobre o futuro político da Catalunha faz referência ao artigo 92 da Constituição, que estabelece que "as decisões políticas de especial importância podem ser submetidas a um referendo consultivo de todos os cidadãos", não sendo o seu resultado vinculativo - além de ser determinado pelo rei. por proposta do governo, o que limita a ação dos independentistas e o seu âmbito. Amnistia contestada A lei da amnistia é a que sofre maior contestação e ainda terá de subir ao Senado, onde o PP. que ali goza de maioria absoluta. não a podendo impedir, aprovou uma alteração ao regimento que permitirá â mesa da câmara alta atrasar em dois meses a tramitação de novas leis. mesmo que venham classificadas como urgentes, como é o caso. Além da preocupação europeia. da oposição do PP e do Vox e das manifestações recorrentes, a amnistia conta com a crítica do poder judicial. Quatro associações de juízes espanholas acusaram o PSOE de abrir a porta à intervenção política na esfera da justiça. "[O previsto nos acordos pode] significar, na prática, submeter à revisão parlamentar procedimentos e decisões judiciais, com evidente interferência na independência judicial e uma quebra da separação de poderes", acusam. E já depois da investidura de Pedro Sánchez. o presidente do Conselho Geral de Procuradores da Espanha, Juan Carlos Estévez. manifestou a crença firme no princípio democrático da divisão de poderes e que o poder judiciário deve ter "toda a sua autonomia e sua força". "Por isso continuamos a apoiar os juízes espanhóis agora e apoiar--nos-emos mutuamente no futuro", afirmou. Ao NOVO. Tiago André Lopes diz que está claramente em causa o Estado de direito. "O facto de o chefe do governo ter feito a promessa de que o poder legislativo irá trabalhar em soluções legais para condicionar o poder j u d i c i a l no que às amnistias diz respeito é um preocupante sinal de interferência no equilíbrio frágil do princípio de separação de poderes", advoga. "Sánchez coloca em causa a arquitetura dos poderes da democracia espanhola e será interessante ver se a Comissão Europeia reage negativamente a Espanha, como fez com a reforma judicial na Polónia e as reformas centralizadoras na Hungria", acrescenta. "Ou vamos, mais uma vez, descobrir que certas interferências com os três poderes são aceitáveis". finaliza. "A questão catalã, que ameaça não ficar resolvida com a cedência de Pedro Sánchez no que concerne à amnistia, provou a fragilidade política do PSOE", diz José Filipe Pinto "O PSOE está a jogar um perigoso póquer partidário que poderá levar a um calamitoso resultado eleitoral na próxima eleição", diz Tiago André Lopes José Filipe Pinto Professor catedrático da Universidade Lusófona Tiago André Lopes Professor de Diplomacia e Relações Internacionais da Universidade Portucalense