E (QUASE) TUDO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL LEVOU
2023-12-01 20:25:06
Tiago Oliveira Jornalista Revolução: “Uma máquina é capaz de lidar com a incerteza melhor do que o ser humano? Claro que sim!”, avisa o reputado economista Daniel Susskind. A automatização acelerada pela IA vai mudar a forma como trabalhamos. A nossa resposta fará a diferença. A conferência “O Futuro: evolução das organizações na era da inteligência artificial”, realizada pela Abreu Advogados e inserida no ciclo de celebração dos 30 anos teve o Expresso como media partner Todos os empregos podem ser divididos numa série de tarefas que têm que ser cumpridas rotineiramente. Isto parece mais óbvio nas atividades ditas de colarinho azul , aquelas que se referem ao trabalho manual associado à indústria e à classe operária. Mas também se aplica às funções de colarinho branco , aquelas que englobam profissões de escritório e administração e que aparentemente podem estar mais a salvo da automatização provocada pela inteligência artificial (IA). Ninguém escapa à transformação. A revolução chegou para ficar e vai gerar mudanças profundas e transversais a todos os sectores, precisamente porque a capacidade das novas ferramentas tecnológicas de desempenharem as tarefas que até há pouco tempo só os humanos conseguiam desempenhar cresce a cada dia que passa. “Uma máquina é capaz de lidar com a incerteza melhor do que o ser humano? Claro que sim!”, explica Daniel Susskind, o economista e autor de livros como “Um Mundo sem Trabalho”, que a partir de Londres alertou a plateia da conferência “O Futuro: evolução das organizações na era da inteligência artificial” para os desafios que se avizinham. “Nos anos 80 achava-se que era impossível” traduzir a solução de problemas criativos para um ambiente computacional, acredita Daniel Susskind, porque o foco estava em fazer com que as máquinas replicassem os mecanismos de funcionamento do nosso cérebro, abordagem que se veio a revelar mal direcionada. Fica de novo a pergunta e a resposta de Susskind: “As máquinas conseguem pensar? Do ponto de vista crítico, não é a questão mais importante. Conseguem fazer cada vez mais coisas, pois funcionam de forma fundamentalmente diferente dos humanos.” Perceber essa distinção foi o que permitiu o crescimento exponencial das ferramentas de inteligência artificial, além dos braços mecânicos que já são uma visão comum em muitas fábricas, e o especialista não tem dúvidas de que “os trabalhadores de colarinho branco precisam de encarar estas mudanças a sério”. O que é “assustador” em ferramentas como o ChatGPT, por exemplo, “é a diversidade de coisas que consegue fazer”. Não é expectável que um dia um trabalhador chegue à sua secretária e veja um robô lá sentado, mas as alterações estão a acontecer e “de forma muito mais subtil”. De acordo com o relatório “OCDE Emprego Outlook 2023”, publicado recentemente, três em cada cinco trabalhadores mostram-se preocupados em perder o seu emprego para a inteligência artificial no espaço de 10 anos, enquanto dois em cinco manifestam-se apreensivos quanto à possibilidade de os seus salários descerem no mesmo período. Os cálculos da OCDE apontam para que aproximadamente 30% dos postos de trabalho em Portugal possam estar ameaçados. Daniel Susskind acrescenta que, segundo a McKinsey & Company, apenas 5% dos empregos podem ser completamente automatizados, mas 60% desses trabalhos incluem tarefas que podem ser desempenhadas pela inteligência artificial. E reitera: “É errado pensar que funções que impliquem criatividade não possam ser feitas por máquinas. Podem, mas de forma diferente.” Mudança em massa O autor acredita que o “desafio dos próximos 10 a 20 anos não é de desemprego em massa, mas da mudança em massa”. O “mais provável será aumento da procura pelas tarefas que ainda não podem ser automatizadas”, o que significará novos empregos. Para responder a esta transformação sistémica é preciso treinar novas capacidades para “competir com as máquinas”, o que implica mudanças no sistema de ensino. “Se entrássemos numa máquina do tempo e viajássemos 100 anos para trás, o que se passa numa sala de aula seria muito semelhante ao que ocorre atualmente”, alega. Há uma “ideia cultural de que a educação formal” ocorre na fase inicial do nosso crescimento e que, “quando está concluída, não precisamos de nos preocupar mais com isso. É um erro tremendo”. A “melhor resposta para a incerteza” é “a flexibilidade”, ou seja, “treinar e aprender com a mesma vontade e intensidade com que o fazíamos no início da vida”. É essencial, afirma o head of ventures na Subvisual, Alexandre Mendes, “construirmos um plano de literacia digital nas escolas nos próximos dois anos” e “aceitar a falha como parte do processo de aprendizagem”, indica António Marquez Filipe, administrador da Symington e vice-presidente do Conselho de Administração da Casa da Música. Todo o cuidado é pouco, porque “as novas ferramentas oferecem a possibilidade de substituir talento, e isso é novo”, defende Pedro Moreira da Silva, CEO da Cerealis, com o CEO da DST, José Teixeira, a recordar “que já se decretou o fim de muita coisa” que acabou por não se concretizar. Para a professora na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e diretora-executiva da Fraunhofer Portugal AICOS, Liliana Ferreira, “chegou a hora de pensar como propomos futuros e lidamos com humanos”. O que disseram “É um erro enorme fazer de conta que esta não é a mudança das nossas vidas em todos os sectores” Marques Mendes Conselheiro de Estado e comentador “Ficaria satisfeito que o Estado, mais que inteligência artificial, tivesse só inteligência” Luís Reis CEO da Sonae Financial Services e Sonae Fashion “Se hoje não existisse inteligência artificial, o que seria das nossas vidas?” Celeste Hagatong Presidente do Banco Português de Fomento “O que torna esta revolução diferente é estender-se a qualquer área que possamos imaginar” Carlos Oliveira Presidente da Fundação José Neves Produtividade no trabalho Pensar o futuro das empresas perante a nova realidade das ferramentas digitais esteve na génese da conferência “O Futuro: evolução das organizações na era da inteligência artificial”, realizada pela Abreu Advogados e inserida no ciclo de celebração dos 30 anos, que teve o Expresso como media partner. Textos originalmente publicados no Expresso de 1 de dezembro de 2023