VLADIMIR PUTIN DEU UM PASSO RUMO À REABILITAÇÃO INTERNACIONAL INDO AO MÉDIO ORIENTE
2023-12-08 14:13:04
Margarida Mota Jornalista O Presidente da Rússia fez uma visita-relâmpago aos Emirados Árabes Unidos e à Arábia Saudita com três objetivos em carteira: mostrar que viaja sem receio da justiça internacional, pedir cortes na produção de petróleo para robustecer a economia russa e argumentar que pode ser um mediador no Médio Oriente. “Se a Rússia conseguir entrar na mediação em Gaza, poderá dizer que só não consegue resolver o outro conflito porque a Ucrânia não quer negociar”, analisa um professor de Relações Internacionais Desde a invasão russa da Ucrânia, Vladimir Putin só por duas vezes se tinha aventurado a colocar o pé fora de países que fizeram parte da União Soviética. A 19 de julho de 2022, o Presidente russo deslocou-se a Teerão, onde foi recebido pelo Líder Supremo do Irão, ayatollah Ali Khamenei. Os dois países partilhavam a circunstância de serem alvo de um isolamento decretado por países ocidentais e de serem os Estados mais castigados com sanções, em todo o mundo. Mais recentemente, a 17 e 18 de outubro, Putin viajou até à China, para um encontro com o “querido amigo” Xi Jinping - com quem já se encontrou pessoalmente cerca de 40 vezes desde 2013, ano da subida ao poder do chinês. O último encontro entre ambos em solo chinês acontecera em fevereiro de 2022, no contexto dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim, a menos de três semanas da invasão russa da Ucrânia. Então, os dois afirmaram “uma relação sem limites”. A visita de Vladimir Putin, esta semana, aos Emirados Árabes Unidos e à Arábia Saudita - a primeira ao Médio Oriente durante a guerra na Ucrânia - é um passo mais ambicioso no seu processo de reabilitação internacional. “O objetivo maior desta visita é normalizar a diplomacia do Kremlin”, explica ao Expresso Tiago André Lopes, professor de Relações Internacionais na Universidade Portucalense. “O Presidente volta a fazer visitas, quando quer e para onde quer, volta a ter agenda pública e mostra que o mandado de captura do Tribunal Penal Internacional [TPI] tem alcance limitado.” Putin tem a justiça internacional à perna por causa da guerra na Ucrânia e da transferência ilegal de crianças ucranianas para território russo. Nenhum dos quatro países que visitou fora do antigo espaço soviético ratificou o Tratado de Roma, fundador do TPI, pelo que não correu riscos de ver o mandado de captura internacional ser executado, como receou que pudesse acontecer na África do Sul, em agosto passado. Nessa altura, abdicou de marcar presença na cimeira dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e falou por videoconferência. Tiago André Lopes identifica também uma dimensão de caráter económico na viagem de Putin ao Médio Oriente. Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos são países produtores de petróleo, sendo o primeiro o maior exportador mundial. Dentro da OPEP+ (que inclui os membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados, sendo a Rússia um deles), vários países já sinalizaram a vontade de cortar na produção de petróleo em 2024. “Isto é obviamente do interesse da Rússia”, comenta o docente. “Artificialmente, faz subir os preços do crude nos mercados internacionais, o que reforça a economia russa.” PUTIN NO KREMLIN 1º mandato: 2000-2004 2º mandato: 2004-2008 3º mandato: 2012-2018 4º mandato: 2018-2024 Esta quinta-feira, o Senado da Federação Russa agendou as próximas eleições presidenciais para 17 de março do próximo ano. Putin ainda não disse se será candidato. Poderá faze-lo na próxima semana, aproveitando a tradicional conferência de imprensa anual, onde responde a perguntas de jornalistas e do público. Se for a votos, “o grande trunfo que vai ter é o facto de a economia russa ter aguentado o embate das sanções”, diz Tiago André Lopes. “De acordo com o Banco Mundial, no próximo ano a Rússia vai crescer a um ritmo três vezes mais rápido que o bloco europeu.” Um terceiro interesse de Putin nesta deslocação ao Médio Oriente, que tem tanto de surpreendente como de irónico, passa por “tentar posicionar a Rússia como eventual mediador para a questão do Médio Oriente”, diz o professor da Universidade Portucalense. A ambição decorre da constatação da “incapacidade do Ocidente em desbloquear o impasse - porque alinhou com um dos contendores - e visa mostrar que a Rússia é um produtor de paz e não de guerra, o que é peculiar, mas é a posição neste momento defendida por Moscovo”. No universo dos possíveis mediadores, o Catar apresentou serviço ao tornar possível o recente acordo entre Israel e o Hamas, que levou à libertação de 105 reféns israelitas, à entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza e à saída de 240 mulheres e menores palestinianos das prisões israelitas. Mas o colapso da trégua humanitária e a retoma da guerra obrigou o emirado a dar um passo atrás. Com mediação da diplomacia russa, a disputa em torno do enclave de Nagorno-Karabakh, entre a Arménia e o Azerbaijão, que dura desde 1989, encaminha-se para um armistício. “Se a Rússia conseguir fechar esse conflito e entrar na mediação em Gaza, poderá dizer que só não consegue resolver o outro conflito porque a Ucrânia não quer negociar ou porque os patrões da Ucrânia , expressão muitas vezes usada no Kremlin, não permitem a negociação.” A Rússia é um país de portas abertas aos dirigentes do Hamas, como confirma a visita de uma delegação do grupo islamita a Moscovo, há menos de duas semanas, ao que se seguiu a libertação de dois reféns com cidadania russa num gesto de “apreciação” pela posição da Rússia. Igualmente, tem relação histórica com Israel, por ter sido, em tempos, porto de abrigo para muitos judeus. Líderes israelitas como David Ben-Gurion ou Golda Meir nasceram no Império Russo - o primeiro em Plonsk (atual Polónia) e a segunda em Kiev (Ucrânia). “Na guerra da Ucrânia, Israel, formalmente, nunca condenou a Rússia. Pôs-se numa posição mais neutral. É verdade que apoiou a Ucrânia com algum equipamento militar, mas nada do equipamento de última geração que a Ucrânia pediu”, recorda Tiago André Lopes. “A Rússia tem a capacidade de conseguir falar com os dois interlocutores, de os sentar à mesa e de os reconhecer. Além disso, é um dos cinco Estados com assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e foi o segundo a receber a delegação ministerial conjunta árabe-islâmica, depois da China. A Rússia tem tentado mostrar interesse em desbloquear este impasse.” A retórica de Moscovo alimenta-se também das posições contraditórias do Ocidente perante as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza, nomeadamente em relação à Bielorrússia, que tem sido penalizada em várias frentes pela sua proximidade à Rússia, enquanto Israel continua a atuar impunemente. “O conflito em Gaza demonstra alguns paradoxos do Ocidente”, comenta Tiago André Lopes. “O facto de não exigir a Israel o cumprimento do direito humanitário, apesar de a ONU fazer avisos sistematicamente. Tanto os Estados Unidos como alguns países europeus, em particular a Alemanha, têm uma espécie de simpatia contínua por Israel, e isso é um problema.” Esta quinta-feira, decorreu em Pequim a 24ª cimeira União Europeia-China, com a presença de Charles Michel (presidente do Conselho Europeu), Ursula von der Leyen (presidente da comissão Europeia) e Josep Borrell, o Alto Representante para a Política Externa, que se reuniram separadamente com o Presidente Xi Jinping e o primeiro-ministro Li Qiang. Na agenda de trabalhos da cimeira, figuraram conversações sobre “a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia” e sobre o “Médio Oriente”. “A informação europeia continua a ser, muitas vezes, infeliz. Na reunião de hoje, a delegação europeia nem sequer consegue classificar o Médio Oriente como conflito”, realça o docente. “Este tipo de dinâmicas é importantíssimo para os russos. Leva-os a dizer: Estão a ver? Para estes senhores, há conflitos de primeira e conflitos de segunda.”