A VERDADEIRA CONCORRÊNCIA
2023-03-27 16:08:50
Nas últimas semanas muito se tem escrito, falado e comentado, sobre lucros excessivos das empresas retalhistas, por força do aumento das suas margens e de eventual prática de especulação. Estas empresas têm assim vindo a ser acusadas de contribuírem para o aumento da inflação e do custo dos produtos de grande consumo, particularmente dos produtos alimentares perecíveis, tais como, os hortofrutícolas. As empresas de distribuição não são, obviamente, perfeitas, mas esta acusação não só é injusta como infundada. Criticar práticas especulativas de preço a empresas que praticam, diária e permanentemente, políticas promocionais, quer de preço quer de outra natureza, que concorrem umas com as outras para se posicionarem, como as empresas com os preços mais baixos do mercado, com muitas a prometerem mesmo devolver a diferença de preço, se o consumidor encontrar na concorrência os mesmos produtos mais baratos, não deixa de ser irónico, senão mesmo absurdo. A crítica começa com uma confusão entre margens brutas e líquidas, considerando as primeiras como sendo as segundas. A prática de margens brutas de 40% ou 50% em hortofrutícolas, como, por exemplo, as cebolas ou as cenouras, são perfeitamente normais, até já foram superiores e não podem deixar de ter este nível de grandeza, pela própria natureza perecível destes produtos, os quais, pela sua venda em livre serviço, possuem um alto índice de quebra. Não esquecer também que a margem bruta serve para cobrir todos os custos de operação, tais como, salários, logística, rendas, amortizações, etc., pelo que no final, a margem líquida das empresas de distribuição se situa, em média, entre os 3% e os 5%. Hoje, em Portugal e em toda a Europa, o sistema de formação de preços é livre, isto é, os agentes económicos podem praticar as margens que entenderem adequadas para o seu negócio e, já lá vai o tempo, em que era o Governo a impor os preços de venda ao público ou as margens máximas de comercialização. Por outro lado, e por força da forte concorrência existente no setor, a formação dos preços nos dias de hoje é feita de forma invertida, isto é, parte-se do preço de venda ao público, correto, justo e aceitável pelo mercado, para depois se negociar com os fornecedores o preço de aquisição dos produtos que permitam contemplar a margem bruta pretendida. Daí que os processos negociais que envolvem distribuidores e fornecedores, sejam sempre difíceis e complexos pois, numa conta de exploração de um retalhista, a rubrica de aquisição de mercadorias anda na ordem dos 70% a 75%. Não é, pois, de estranhar e muito menos de criticar, as diferenças de preços existentes entre as diferentes empresas retalhistas, até porque estas possuem diferentes formatos comerciais que vão desde formatos qualitativos ou de conveniência, em que o nível de preços e de qualidade dos produtos poderá ser superior e os formatos com filosofia de desconto, sejam médias ou grandes superfícies, nos quais o nível de preços é inferior, mas concorrendo todos entre si. Ainda recentemente, um estudo da KuantoKusta analisou as variações de preços entre diferentes retalhistas não identificados, em três categorias de produtos não alimentares, nomeadamente, produtos de puericultura, de higiene pessoal e de limpeza. E as conclusões a extrair não poderiam desmentir mais a opinião publicada e comentada nos meios de comunicação social. Na categoria de puericultura as diferenças entre o preço mais baixo e o segundo preço mais baixo vai de 0,67% a 27,54% e entre o preço mais baixo e o preço mais alto vai de 27% a 78%. Na categoria de higiene pessoal a diferença entre o preço mais baixo e o segundo preço mais baixo varia entre 0,23% e 20,25% e entre o preço mais baixo e o mais alto varia entre 1,51% e 78,35%. Na categoria de limpeza a diferença entre o preço mais baixo e o segundo preço mais baixo varia entre 4,86% e 41,89% e a diferença entre o preço mais baixo e o preço mais alto varia entre 4,64% e 62,55%. Todas estas diferenças só provam e evidenciam que não existe qualquer prática de combinação de preços entre os retalhistas e que a forte concorrência entre as empresas continua a ser uma prática saudável do setor que só beneficia os consumidores finais. O impacto destas diferenças de preço é verdadeiramente positivo e só reforça a imagem das empresas que as praticam, contrariamente a outros setores como a banca, os seguros ou os combustíveis, cuja prática é exatamente a oposta. José António Rousseau, investigador da UNIDCOM/IADE e Professor do IPAM José António Rousseau