MANUELA PIMENTEL: A POESIA NA REVISÃO DA TRADIÇÃO
2024-06-10 20:18:05

A artista apresenta a exposição "Poéticas Revolucionárias" no Museu Nacional do Azulejo, em Lisboa. Para ver até ao final do mês de agosto de 2024 Escrever sobre a Manuela Pimentel (PT, 1979) tem como mote uma história que partilhamos sem nos conhecermos: a da apropriação de uma placa que nos dizia que o amor é um sonho bonito. Manuela Pimentel gosta de palavras e escolhe as que integram as suas obras com intenção, nunca perdendo um certo sentido de ação revolucionária que a leva, também a ela, a apropriar-se das mensagens que a rua acumula em sobreposição de infindáveis cartazes que dizem tudo do nosso tempo pós-moderno e da sua hiper-produtividade. Terá sido por essa urgência de revolução e pela subtileza como resgata a ideia de identidade coletiva portuguesa que o azulejo contém, que me interessou o seu trabalho e nela identifiquei a definição de um modo de fazer, de uma linguagem. Não espanta por isso que, na dinâmica reconhecida que tem o Museu Nacional do Azulejo, em Lisboa, a artista se apresente com "Poéticas Revolucionárias", uma exposição que reúne cerca de duas dezenas de obras, algumas delas inéditas, aproveitando-se, em tempo de comemoração dos 50 anos do 25 de abril de 1974, para homenagear os poetas e dar o mausoléu às palavras. Retemo-nos na "Inquietação" de José Mário Branco, que, numa parceria com a Viúva Lamego, a artista transformou recentemente em obra de arte para espaço público pensada para o campus do dstgroup, em Braga. "Porquê, não sei / Porquê, não sei / Porquê, não sei ainda" devolve-nos para o tempo e o espaço da luta, sempre feita de incertezas, de desconforto, mas também de resiliência e de uma força motriz que, inspirados por abril, dificilmente conseguimos explicar. De facto, Manuel Pimentel parte dos poetas para reescrever, inscrever, a Revolução na simulação do azulejo que a sua obra faz entre os acumulados de cartazes, as argamassas e a pintura, que ora mimetizam as narrativas barrocas, ora reinventam novos lugares. É inevitável que a obra de Manuela Pimental nos remeta para a produção de Adriana Varejão (BR, 1964), ainda que a brasileira, que também tem referencial no azulejo, o interprete como carne viva, numa crítica à memória mais cruel da colonização e ao que deixou vincado na cultura do seu país, muito mais do que aquilo que revestiu em monumentos. O processo de Manuela Pimentel é diverso e parte de um deambular atento pela rua, tendo a sua base nos princípios de uma espécie de criação de génese urbana que escolhe o espaço da intervenção mais plural e democrática. Sobre esta exposição de Manuela Pimentel escreveram Capicua (PT, 1982) e Nuno Júdice (PT, 1949-2024) e ainda encontramos 70 frases de ilustres anónimos, que responderam ao desafio da artista e lhe enviaram um "grito de liberdade", agora escrito num azulejo falante. Desta forma, Manuela Pimentel alargou o espetro de vozes inquietas e, às muitas que se escondem na matéria base das suas formas inspiradas na imagética do azulejo, juntou presente e passado num diálogo de palavras infinito. O que interessa em "Poéticas Revolucionárias", na casa do azulejo por excelência, é perceber como se celebra a tradição sem lugares-comuns e sendo capaz de ler o que brota hoje de informação visual nos tecidos urbanos. As obras de Manuela Pimentel são profundamente ricas e matéricas, plenas de elementos e de detalhes e a brutalidade do cimento com a delicadeza do papel, revelam-nos muito da complexidade das nossas cidades e das escolhas que o quotidiano nos impõe. Em algumas das obras desta exposição, vemos também a artista a recorrer ao néon e ao objeto tridimensional de forma mais clara, expandindo um certo campo da pintura e repensando o lugar do espetador. Para ver até ao final do mês de agosto de 2024, esta é uma exposição sobre tradição, poesia e revolução e, acima de tudo, sobre a inquietação que nos faz continuar, diariamente, a lutar. Exposição reúne cerca de duas dezenas de obras de Manuela Pimentel, algumas delas inéditas, no Museu do Azulejo, Lisboa. Helena Mendes Pereira