NEUTRALIDADE CARBÓNICA - MESMO COM LÍTIO PORTUGUÊS, O FIM DO CARRO A COMBUSTÃO PODE SER ADIADO NA UE
2023-06-20 09:36:43

PAULO PIMENTA Mesmo com lítio português, o ? m do carro a combustão pode ser adiado UE deu 8 mil milhões em apoios às baterias, mas não tem assegurada a matéria-prima e corre o risco de dependência externa Victor Ferreira Portugal tem as maiores reservas de lítio no continente europeu, mas não deverá começar a explorá-lo antes de 2026 e, como tal, a União Europeia (UE) tem um problema sério em mãos: não tem matéria-prima suÆciente para apostar na produção de baterias para carros eléctricos. Entre 2012 e 2016, 87% do lítio consumido na Europa foi importado da Austrália. Mesmo com o lítio português, o cenário não melhora, porque, até à chegada ao mercado, são precisos 12 a 16 anos desde a descoberta deste recurso e porque se espera um enorme aumento na procura mundial de lítio devido à electriÆcação do transporte privado. Neste cenário, a UE tem duas hipóteses: ou Æca dependente de baterias e veículos eléctricos importados de países terceiros, em prejuízo da indústria automóvel e da mãode-obra europeias, para cumprir as metas de 2035 e 2050; ou adia a proibição, prevista para 2035, de novos carros com motor de combustão interna, pondo em causa a meta da neutralidade carbónica na UE em 2050. Por agora, não parece haver terceira via. Apesar de uma política industrial “eÆcaz nos últimos anos”, a “Europa está em risco de perder a corrida às baterias”, porque “o acesso às matérias-primas continua a ser um grande obstáculo, juntamente com a subida dos custos e a forte concorrência mundial”, diz o Tribunal de Contas Europeu (TCE), que ontem divulgou um relatório especial sobre o lítio. O documento vem na sequência de uma auditoria anunciada há um ano e envolveu Portugal e outros cinco Estados-membros que executam projectos “com apoio Ænanceiro signiÆ# cativo do orçamento da UE”. O tribunal constata que o apoio público tem sido direccionado à produção de baterias sem garantir o fornecimento dos minerais necessários, o que levou à concentração do dinheiro em três países. Alemanha, Itália e França Æcaram com mais de 83% das ajudas estatais aprovadas entre 2019 e 2021, um erro que resulta da “falta de uma visão global”. A bateria pode representar até 40% do custo de produção de um carro eléctrico. E é um processo que consome muita energia. Países como Portugal ou Espanha, que têm acesso a uma elevada percentagem de energia renovável mais barata, poderiam ajudar a UE a produzir baterias mais económicas. Mas a grande fatia das subvenções até agora foi parar a outras geograÆas. Para Annemie Turtelboom, que coordenou esta auditoria, a concorrência no mercado interno parece ser a questão menos importante nesta altura, e é a concorrência com a China e os EUA que mais preocupa os responsáveis europeus. A China produz 76% das baterias actualmente e os minerais, mas são necessários pelo menos 12 a 16 anos desde a sua descoberta até à produção, o que impede uma resposta rápida ao aumento da procura”, alertam os auditores. É estimado que Portugal contribuirá com 45 GWh/ano, quase 3,8% da capacidade máxima de produção de baterias da UE em 2030. Outros riscos: preço e EUA Quem quiser produzir baterias na UE debate-se com outros riscos, salienta o relatório. A começar pela competitividade, que “pode ser prejudicada pelo aumento dos preços das matérias-primas e da energia”. “No Ænal de 2020, o custo de uma bateria (200 euros por quilowatt-hora) era mais do dobro do que se previa. Só nos últimos dois anos, o preço do níquel aumentou mais de 70% e o do lítio 870%.” O TCE detectou ainda que “os contratos actuais garantem o abastecimento de matérias-primas durante apenas dois ou três anos de produção”, quando a oferta já “escassa e rígida” de matéria-prima irá piorar, “sobretudo a partir de 2030”, porque a electriÆcação do transporte rodoviário impulsionará ainda mais a procura. A Comissão Europeia propôs em Março de 2023 um acto legislativo sobre as chamadas “matérias-primas críticas”. O plano de acção para as baterias é de 2018. A UE tem avançado, constata o tribunal, mas não chega. A infra-estrutura de carregamento de carros eléctricos é outro problema: em 2021, continuava longe da meta de um milhão de postos, como o TCE tinha apontado na sequência de outra auditoria. Quanto à matéria-prima, o problema é o “aprovisionamento sustentável”. Embora haja “negociações em curso” e “parcerias estratégicas com vários países” já assinadas, a UE “ainda não celebrou acordos de comércio livre com os maiores produtores mundiais de matérias-primas ou de materiais reÆnados para baterias”. O TCE nota esta ausência em especial com “a China (graÆte natural em bruto e reÆnada, e cobalto, lítio e níquel reÆnados), a República Democrática do Congo (cobalto em bruto) e a Austrália (lítio em bruto). Em resumo, há muito dinheiro a ser distribuído, mas sem “uma visão global”, “o que diÆculta a coordenação e a orientação”. E, sem essa “visão global” da Comissão Europeia, o “apoio Ænanceiro a projectos importantes de interesse europeu comum depende da localização dos investimentos”. EUA estão a usar generosos subsídios para atrair projectos industriais dessa natureza. Actualmente, a UE representa 7% da produção global de baterias, graças à ajuda sul-coreana, salienta a responsável. Mas isso pode mudar, para pior, agora que os EUA têm um grande orçamento de apoios através do InÇation Reduction Act (IRA). Por isso, é preciso um “novo impulso estratégico”, recomenda o TCE. O papel de Portugal Estima-se que Portugal tenha 60 mil toneladas de lítio. Facto que justiÆcou a sua inclusão nesta análise à política Mineração de lítio é vista como fundamental na UE, mas continua a ser objecto de contestação local industrial europeia para as baterias, ao lado de Alemanha, França, Polónia, Espanha e Suécia. Desde 2014, a UE distribuiu 8 mil milhões de euros de apoio para este Æm. Entre 2014 e 2020, tinham sido dados pelo menos 1700 milhões de euros em subvenções e garantias sobre crédito. Toda essa ajuda destina-se a aumentar a inovação e a capacidade de produção de baterias na UE. Mas “pode ser insuÆciente”, porque a matéria-prima não está assegurada e todos perspectivam uma “procura crescente” por lítio e outros materiais, “colocando em risco o objectivo de eliminar as emissões [de CO2 em carros novos] até 2035”. Em 2021, quase 20% dos veículos novos registados no mercado interno tinham uma Æcha eléctrica. “No entanto, a indústria europeia das baterias está atrasada em relação aos seus concorrentes mundiais, em especial a China.” A montante está Portugal, com as suas reservas de lítio em oito regiões, objecto de interesse industrial, mas também de polémica. A proposta de mineração em Boticas teve recentemente uma declaração de impacte ambiental favorável, mas as populações transmontanas continuam a oferecer resistência à “febre do petróleo branco”, desconÆando das promessas da “mineração verde”. Seja qual for o futuro, Portugal pouco pode fazer perante as necessidades totais. “A Europa tem várias reservas GRAFITE NATURAL NÍQUELMANGANÊSLÍTIOCOBALTO Outros Rep. Dem. Congo Finlândia França Brasil Gabão África do Sul Outros Outros Outros Finlândia Grécia Canadá China Moçambique Noruega Brasil Portugal Áustrália Fontes da UE em matérias-primas para baterias Em percentagem Fonte: TCE; Eurostat PÚBLICO 13 5 14 68 12 8 39 41 27 13 8 12 40 19 38 19 24 13 87