BIDEN DESISTE
2024-07-22 06:01:05
Destaque Eleições EUA2024 Pelo partido e pelo país, Biden desiste da corrida presidencial e apoia Harris Decisão de Biden foi tomada ao fim de semanas de pressão elevada para que desistisse. “Acredito que é no melhor interesse do meu partido e do país”, justificou O Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou através das redes sociais que se vai afastar da corrida presidencial, após semanas de pressão crescente, tanto por parte de adversários políticos como de aliados democratas. Nunca um Presidente em funções à procura de ser reeleito havia desistido numa fase tão adiantada da corrida eleitoral. “Foi a maior honra da minha vida servir como vosso Presidente”, escreveu Biden num comunicado divulgado na rede social X. “E se bem que a minha intenção fosse tentar a reeleição, acredito que é no melhor interesse do meu partido e do país que me afaste e me concentre unicamente no cumprimento dos meus deveres como Presidente durante o que resta do mandato”, acrescentou. Noutra mensagem, Biden declarou o “apoio total” à vice-presidente Kamala Harris para que seja nomeada candidata pelo Partido Democrata. “Democratas, é tempo de nos unirmos e derrotar Trump”, afirmou. Poucas horas depois, Harris agradeceu a confiança de Biden e disse ter intenção de “merecer e vencer esta nomeação”. “Farei tudo em meu poder para unir o Partido Democrata e unir a nossa nação para derrotar Donald Trump e a sua agenda radical do Projecto 2025”, afirmou Kamala Harris, referindo-se à alegada estratégia de Trump e da ala extremista do Partido Republicano para fortalecer os poderes presidenciais após um eventual regresso à Casa Branca. A pressão para que Biden desistisse foi intensa nas últimas semanas, sobretudo após o debate com Donald Trump, em que até o próprio admitiu não ter estado na melhor forma. Desde então, o candidato democrata viu vários dirigentes do partido, congressistas, senadores e financiadores apelarem à sua desistência, convictos de que as hipóteses de voltar a ser eleito para a Casa Branca eram escassas. Em causa estava o amontoar de dúvidas sobre a aptidão mental e física de Biden, de 81 anos, para se recandidatar à presidência, apesar de vários testes cognitivos terem mostrado que as capacidades intelectuais do Presidente se mantêm. No fim-de-semana passado, Biden tinha recebido os líderes democratas nas duas câmaras do Congresso, que, segundo a imprensa norte-americana, lhe tinham pedido que desistisse da corrida presidencial o teor das conversas não foi revelado publicamente. Nos últimos dias, os jornais também davam conta dos pedidos da ex-presidente da Câmara dos Representantes Nancy Pelosi e até do exPresidente Barack Obama no mesmo sentido. Uma sondagem realizada após o debate mostrava que cerca de 60% dos eleitores identificados com o Partido Democrata defendiam a substituição de Biden como candidato. Porém, ainda na sexta-feira, Biden divulgou uma mensagem em que dizia estar preparado para regressar à campanha assim que recuperasse da covid-19. Antes disso, tinha admitido que apenas iria desistir da campanha para a reeleição se fosse diagnosticado com algum problema de saúde grave. Aparentemente, o volte-face terá acontecido de forma repentina durante o fim-de-semana. Uma fonte próxima da campanha de Biden disse à Reuters que na noite de sábado “a mensagem era seguir com tudo e a alta velocidade”. “Por volta das 13h45 de hoje [domingo], o Presidente disse à sua equipa que tinha mudado de ideias”, acrescentou a mesma fonte. Momento inédito Com a desistência de Biden, os delegados por si conquistados durante as eleições primárias ficam livres para apoiarem outros candidatos durante a convenção do Partido Democrata no próximo mês. Resta saber se o partido se irá unir em torno de Kamala Harris até lá ou se a convenção será aberta a vários candidatos, algo muito pouco comum na política norteamericana. O presidente do Partido Democrata, Jamie Harrison, admitiu que a situação é “inédita”, mas garantiu que o partido está preparado. “Nos próximos dias, o partido irá levar a cabo um processo transparente e ordeiro para avançar como um Partido Democrata unido com um candidato que possa derrotar Donald Trump em Novembro”, explicou. Além de Harris, há outros políticos do Partido Democrata na linha da frente para encabeçar a candidatura, entre os quais a governadora do Michigan, Gretchen Whitmer, e os governadores da Califórnia, Gavin Newsom, e da Pensilvânia, Josh Shapiro. Nas horas que se seguiram ao anúncio de Biden, vários dirigentes democratas aplaudiram a decisão, mas nem todos quiseram demonstrar um apoio inequívoco a Harris. Bill e Hillary Clinton elogiaram Biden e apelaram ao apoio em Kamala Harris. Pelosi, que terá sido uma das principais defensoras da desistência, disse que Biden é “um patriota americano que sempre pôs o país em primeiro lugar”. Entre os republicanos, a mensagem principal traduziu-se no enaltecimento da incapacidade física e intelectual de Biden. O speaker da Câmara dos Representantes, Mike Johnson, pediu a renúncia de Biden ao mandato presidencial: “Se Joe Biden não tem condições para concorrer à presidência, também não tem condições para continuar como Presidente.” Em declarações à CNN, Trump começou a adaptar o discurso à nova realidade e afirmou que será mais fácil derrotar Kamala Harris em Novembro. A decisão inevitável de um Presidente notável Análise Teresa de Sousa 1. Presidir à nação mais poderosa do mundo, na qual ainda hoje repousa o que resta da estabilidade e da segurança do sistema internacional, é uma tarefa ciclópica e desgastante. Sobretudo quando o cargo é levado a sério e quando o seu ocupante sabe a responsabilidade que detém perante os americanos e perante o mundo inteiro. Na história recente da América, a única excepção chama-se Donald Trump, cujo perfil e comportamento contrastam radicalmente com todos os seus predecessores. Seja como for, as próximas eleições presidenciais, em Novembro, fogem aos padrões habituais da política norte-americana em que a escolha para a Casa Branca se fazia entre os candidatos de dois grandes partidos históricos. A transformação do velho Partido Republicano de Reagan e dos Bush numa realidade política nova, de cariz populista e extremista, criada em torno do culto da figura de Donald Trump, já tinha feito destas eleições algo de extraordinário. A desistência de Joe Biden, anunciada ontem, torna-as verdadeiramente dramáticas. 2. Joe Biden fez quase tudo bem na Casa Branca. Foi o Presidente mais transformador da história recente da América, ao nível de Lyndon Johnson. Deixa como legado interno uma economia que é a inveja do mundo porque soube perceber a mudança dos tempos. Uniu a NATO, consolidou as alianças permanentes dos Estados Unidos na Europa e no Indo-Pacífico. Liderou o apoio à Ucrânia, contribuindo decisivamente para manter os europeus unidos e determinados. Não deixou qualquer dúvida sobre as garantias americanas à defesa de Taiwan. Tentou, com maior ou menor sucesso, unir as democracias mundiais, contrariando a “recessão” democrática e a ascensão das autocracias. Não conseguiu resolver a terrível crise do Médio Oriente, nem impor limites ao primeiro-ministro israelita. As guerras na Europa e no Médio Oriente vão exigir-lhe toda a sua capacidade política nos meses que lhe restam na Casa Branca. A polarização extrema da política americana, a transformação do Partido Republicano, o fim do bipartidarismo no Congresso, a escalada inflacionista provocada pela guerra, a predominância das redes sociais diluíram o impacte popular de algumas das suas políticas, que noutras circunstâncias teriam garantido a sua reeleição. Mas os tempos são outros. Acabaram por ser a sua idade e a sua fragilidade física expostas num debate televisivo com Trump a forçá-lo à desistência. 3. A mesma imprensa de referência que deu voz a todos aqueles que, nas fileiras democratas, queriam vê-lo desistir titula agora com grande destaque que a campanha democrata “mergulhou no caos”. É verdade que resta aos democratas pouco tempo até à convenção, em meados de Agosto, para encontrar uma solução suficientemente forte para provar que valeu a pena substituir Biden. Mas não se pode dizer que as suas principais figuras tenham sido apanhadas de surpresa, porque quase todas elas apostaram na desistência do Presidente. A questão é impedir uma guerra interna entre facções, mas seguir simplesmente a via sucessória pode não ser a solução mais mobilizadora. Kamala Harris não é mais popular que Joe Biden e foi uma “vice” relativamente apagada. Vem da ala esquerda do partido, quando o eleitorado independente será decisivo. É mulher e isso é um bom antídoto contra Trump, mas talvez não chegue. Arriscar-se a começar do zero talvez fosse a melhor solução. Quando, em 2012, Barack Obama se recandidatou e quando as coisas não lhe estavam a correr de feição, apelou ao comunicador-chefe do partido, o ex-Presidente Bill Clinton, para operar a sua magia. Clinton tem um herdeiro. Chama-se Pete Buttigieg, é o actual secretário dos Transportes, um veterano, bolseiro do Rhodes College (como Clinton), candidato nas “primárias” de 2020, um moderado na linha de Biden. Foi colega de J.D. Vance em Yale. Conhece o adversário. Jornalista “Vice” de Biden é candidata à sucessão Pode Kamala Harris recuperar o ânimo democrata e travar Donald Trump? Ivo Neto A vice-presidente foi lançada pelo Presidente dos EUA. Agora terá de passar na convenção democrata de Chicago, em Agosto pressão mais do que evidente por parte dos círculos mais próximos de Joe Biden as dúvidas de Obama terão sido determinantes? para que o Presidente dos EUA abdicasse da corrida à reeleição de Novembro, somava-se uma pergunta: quem é o nome que se segue para enfrentar Donald Trump? Tudo será decidido na convenção dos democratas em Chicago, que se realiza entre os dias 19 e 22 de Agosto, mas nem meia hora depois de ter anunciado a desistência, Biden lançou um nome para a pole position: Kamala Harris. “Hoje quero oferecer o meu total apoio a Kamala para que seja a candidata do nosso partido este ano. Democratas é altura de nos unirÀ mos e derrotarmos Trump. Vamos a isto”, escreveu na rede social X. “Sinto-me honrada por ter o apoio do Presidente e a minha intenção é conquistar e ganhar esta nomeação. Durante o ano passado, viajei por todo o país, falando com os americanos sobre a escolha clara nesta eleição importante. E é isso que continuarei a fazer nos próximos dias e semanas. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para unir o Partido Democrata e unir a nossa nação para derrotar Donald Trump e a sua agenda extremista do Projecto 2025”, respondeu mais tarde Kamala Harris, num comunicado citado pelo jornal The New York Times. A até agora mais que provável candidata à reeleição como vice-presidente dos EUA tem sido apontada como uma escolha mais do que natural, a começar pelo simples facto de que os principais fundos angariados pela campanha de Biden até hoje devem ser colocados à sua disposição. E, nesta altura, tal como escreveu o The New York Times, a questão financeira é verdadeiramente um problema, uma vez que o Partido Democrata esperava uma queda abrupta dos fundos recolhidos em Julho face às previsões iniciais. Com 59 anos, faz 60 em Outubro ainda antes das eleições, Kamala Harris nasceu em Oakland, na Califórnia. Filha de um pai jamaicano e de mãe indiana, desde sempre se identificou como afro-americana, o que a pode ajudar a aproximar-se de camadas do eleitorado tradicionalmente mais próximo dos democratas e que as sondagens apontam como estando também a escapar para os republicanos. Se a convenção democrata a confirmar como a candidata do partido à Casa Branca fará história, como a primeira mulher negra a ser candidata às presidenciais por um grande partido. Kamala já tinha sido a primeira mulher, a primeira pessoa negra e a primeira asiático-americana a ascender à vice-presidência dos EUA. Números pouco favoráveis As taxas de aprovação são, contudo, um aspecto que pode retrair algum do entusiasmo nas hostes democratas por esta altura. Segundo o site FiveThirtyEight, a taxa de aprovação da californiana era, a 18 de Julho, inferior a 40% e a de desaprovação rondava os 50%. A última vez que a sua taxa de aprovação foi positiva remonta a 11 de Setembro de 2021. Números, ainda assim, mais favoráveis do que os de Joe Biden, que, com as taxas de aprovação muito semelhantes, tem uma taxa de desaprovação de 58%. No que diz respeito às sondagens, e quando colocados frente a frente com Donald Trump, a diferença entre Joe Biden e Kamala Harris não parece ser tão significativa. Na última sondagem da CBS News, apresentada no final da semana passada, Donald Trump vencia tanto Joe Biden (52%-47%) como Kamala Harris (51%-48%). Apesar de a matemática não ser a mais favorável neste momento, Pedro Ponte e Sousa, professor de Relações Internacionais na Universidade Portucalense e investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), destaca que a possibilidade levantada pela desistência de Joe Biden pode “gerar ímpeto positivo na campanha e uma onda de força que consiga virar os resultados negativos das sondagens”. Uma opinião partilhada também por Sandra Fernandes, professora de Relações Internacionais da Universidade do Minho, que destaca o papel de um novo nome “numa altura em que Joe Biden estava a perder muitos financiadores para a sua campanha”. A especialista pede ainda alguma cautela quando se olha para os números das sondagens e das taxas de aprovação. “É importante perceber que Kamala Harris desempenhou um papel complexo, o de vice-presidente, cuja única função é substituir as funções de Presidente. É até injusto exigir muito de alguém com estas funções”, justifica. Pouco depois da desistência de Biden, e do apoio dado a Kamala Harris, Donald Trump, que na noite anterior já tinha dirigido palavras pouco simpáticas à democrata num comício no Michigan, disse à CNN que seria mais fácil derrotar a vice-presidente. Para Sandra Fernandes, a entrada de alguém mais jovem na corrida esvazia aqui um dos argumentos que tinham sido usados nos últimos tempos pela campanha republicana. “É uma mulher, muito mais nova do que Donald Trump. Trump já não vai poder basear a sua campanha a gozar com a fraqueza mental e física de Joe Biden. Vai ter uma pessoa mais jovem, o que obriga os republicanos a ajustar a sua campanha e isso pode ter um efeito positivo para os democratas”, resume a especialista. Para Pedro Ponte e Sousa, a proximidade de Kamala Harris a grupos minoritários, mais do que uma vantagem, pode, em alguns casos, ser uma desvantagem, nomeadamente nos chamados swing states, e numa altura marcada pela extrema polarização dos votantes. “Dificilmente vai apelar a moderados e indecisos, sobretudo nos estados decisivos”, argumenta o investigador, que sublinha ainda o facto de a democrata “ser vista por muito do eleitorado como próxima das elites”, o que pode dificultar, por exemplo, “a relação com o eleitorado mais rural”. Eleições EUA 2024 Pelo partido e pelo país, Joe Biden desiste da corrida presidencial e apoia Kamala Harris Perfil da vice-presidente que está na primeira linha de sucessão Análise de Teresa de Sousa Destaque, 2 a 4 “A maior honra da minha vida”: a carta de renúncia de Joe Biden Caros compatriotas americanos, Nos últimos três anos e meio, fizemos grandes progressos enquanto nação. Hoje, a América tem a economia mais forte do mundo. Fizemos investimentos históricos na reconstrução da nossa nação, na redução dos custos com medicamentos para os idosos e na expansão de cuidados de saúde acessíveis a um número recorde de americanos. Prestámos cuidados muito necessários a um milhão de veteranos expostos a substâncias tóxicas. Aprovámos a primeira lei sobre segurança com armas em 30 anos. Nomeámos a primeira mulher afro-americana para o Supremo Tribunal. E aprovámos a legislação climática mais significativa na história do mundo. A América nunca esteve tão bem posicionada para liderar como hoje. Sei que nada disto poderia ter sido feito sem vocês, o povo americano. Juntos, ultrapassámos uma pandemia que só acontece uma vez num século e a pior crise económica desde a Grande Depressão. Protegemos e preservámos a nossa democracia. E revitalizámos e reforçámos as nossas alianças em todo o mundo. Foi a maior honra da minha vida servir como vosso Presidente. E, embora tenha sido minha intenção ser reeleito, creio que é do melhor interesse do meu partido e do país que eu me retire e me concentre apenas no cumprimento dos meus deveres como Presidente durante o resto do meu mandato. No final desta semana, falarei à nação com mais pormenor sobre esta minha decisão. Para já, permitam-me que expresse a minha mais profunda gratidão a todos aqueles que trabalharam tão arduamente para me verem reeleito. Quero agradecer à vice-presidente Kamala Harris por ser uma parceira extraordinária em todo este trabalho. E deixem-me expressar o meu sincero agradecimento ao povo americano pela fé e confiança que em mim depositaram. Acredito hoje no que sempre acreditei: que não há nada que a América não possa fazer quando o fazemos juntos. Apenas temos de nos lembrar de que somos os Estados Unidos da América. Joe Biden Kamala Harris poderá fazer história como a primeira mulher negra a ser candidata às presidenciais por um grande partido Dificilmente vai apelar a moderados e indecisos, sobretudo nos estados decisivos Pedro Ponte e Sousa Professor e investigador do IPRI Destaque Eleições EUA 2024 João Ruela Ribeiro