A CIDADE PARTILHADA
2024-08-27 06:00:15
O direito à mobilidade urbana mede-se, não só em distância, mas sobretudo em tempo. Nesta perspectiva de cidade partilhada, de habitantes, turistas e serviços, terá de ser gerida de forma sustentável. Num dos mapas do cais da linha amarela da estação da Trindade, em direção ao Hospital de São João, encontrava-se um desenho à mão indicando o desejo de ligação com a ferrovia de Leixões. Em boa hora, a CP está a retomar o serviço de passageiros nesta via única, prevendo-se que no início do próximo ano seja já possível ir novamente de comboio entre Campanhã e Matosinhos. O aumento da oferta e da partilha, na arquitetura da intermodalidade, pode ser uma alternativa para certos movimentos pendulares e talvez sirva à descentralização do turismo, a exemplo do que acontece nas linhas de Sintra e Cascais. A mobilidade é um dos elementos essenciais da política urbana, tal como a conectividade entre os espaços verdes e as linhas de água e a gestão dos usos, no património edificado. São aliás as dimensões decisivas para a integração das estratégias a apresentar nos planos territoriais, cuja aplicação poderá garantir a qualidade do ambiente urbano. Mas em particular nas nossas áreas metropolitanas, a problemática da habitação tem-se agravado em resultado da pressão exercida pela procura turística. Com efeito, este sector representa quase 15 % do PIB, sendo responsável por mais de metade da sua taxa de crescimento. Os últimos censos de 2021 revelaram essa transformação urbana. Ao desagregar os indicadores à escala da freguesia, no caso do Porto, somente cresce o número de habitantes para lá da VCI, em Aldoar, Paranhos e Ramalde. O município tem feito a gestão de coexistência, não permitindo novos registos de alojamento local nas freguesias centrais, quando atingem 15 % do número das habitações permanentes. Em complemento, delineou o objetivo de descentralização dos fluxos turísticos, medida a articular com os operadores, para desenvolver a atratividade e diversidade do património periférico. A cidade partilhada entre habitantes e turistas apresenta números mais expressivos em Lisboa. As freguesias da Baixa perderam mais de 20 % dos seus residentes nos últimos dez anos, quase 650 por ano entre 2011 e 2021. Mas a perda ocorre igualmente fora do centro, é também maior que 5 % nas freguesias residenciais da 2.ª Circular, Ajuda, Benfica, Carnide, Marvila e Olivais, por certo devido ao crescimento dos alojamentos turísticos, com efeitos no mercado imobiliário. O aumento do número de habitantes está curiosamente nas Avenidas Novas, assinalando talvez a internacionalização da procura, com preços em alta. Ao seu lado, na freguesia de Arroios concentra-se a imigração que serve esta economia urbana e merece igualmente atenção. A dicotomia entre estas densidades, de turismo e serviços, é bem visível, tal como desde há alguns anos noutras capitais ocidentais. A Câmara de Lisboa promove agora a oferta de projeto e licença em solo público, visando a formação de novas cooperativas, em bairros centrais e periféricos, para enfrentar a perda de população e a procura de habitação a preços controlados. A gestão da cidade partilhada assume, nestes casos, uma clara dimensão metropolitana, através da necessidade de políticas concertadas entre as diversas autarquias, de acordo com a geografia de cada região. Nesse âmbito encontra-se o direito à mobilidade urbana, que se mede não só em distância, mas sobretudo em tempo. E nesta perspetiva de cidade partilhada, de habitantes, turistas e serviços, terá de ser gerida de forma sustentável. A Lei de Bases do Clima e a recente aprovação europeia da Lei do Restauro da Natureza, a par deste novo conceito, convocam à alteração da cultura de ordenamento do território. Para tal, devemos melhorar e atualizar a formação dos responsáveis pelo planeamento e desenho urbano. PUB . CONTINUE A LER A SEGUIR Rui Florentino Professor do Departamento de Arquitectura da Universidade Portucalense Rui Florentino