LÍTIO EM BOTICAS. "PROCESSO DE EXPROPRIAÇÃO COMEÇA NOS PRÓXIMOS DIAS"
2024-12-18 13:11:03

Empresa tem a concessão para extrair lítio na Mina do Barroso. Emanuel Proença clarifica ao DN a autorização do Governo para aceder a baldios e terrenos privados. Gestor garante que os proprietários foram informados e que a área em causa "não é considerável para a realidade local". A Savannah Resources, multinacional de origem britânica especializada na produção de lítio, tem a concessão para iniciar em Covas do Barroso, concelho de Boticas, Vila Real, a mineração de lítio. A empresa prevê arrancar com a operação em 2027. A recente autorização dada pelo Governo à empresa para aceder a terrenos privados e baldios para concluir trabalhos técnicos de prospeção gerou nova contestação na região. Em entrevista ao Diário de Notícias, Emanuel Proença, presidente executivo da empresa, adianta que, na sequência da servidão administrativa, está para breve o início dos procedimentos de expropriação. Numa entrevista em que faz um ponto de situação do projeto da Savannah para o lítio português, o gestor reitera o compromisso da empresa em ajudar a estimular a economia daquela região. O Governo autorizou, por despacho, uma servidão administrativa, pelo prazo de um ano, para a Savannah aceder a terrenos privados e baldios para a prospeção de lítio. A autorização gerou contestação de habitantes e do autarca de Boticas. Por que motivo precisou a empresa desta autorização? É um passo totalmente normal, num processo que é longo desde o momento em que começamos a prospeção, ao momento em que começámos atividade. Há muitos trâmites legais a seguir e muitas ferramentas jurídicas que estão associadas aos vários passos, tanto legais como de execução e de evolução do projeto. A verdade é que nem vejo grande razão para que houvesse vontade de criar alarido, uma servidão administrativa é um procedimento normal utilizado em projetos de infraestruturas de grande dimensão, ou seja, estradas, barragens, centros hospitalares de grande dimensão. É um processo que permite, perante determinadas regras e limites, ao concessionário ou promotor de um projeto, entrar em terrenos que ainda não são sua propriedade para terminar estudos de engenharia. É isso que estamos a fazer. É mais um passo normal e não vejo, nem vi aqui, nenhuma decisão particularmente política, é um passo técnico, como será o passo da expropriação e como serão outros passos de atualizações ou alterações da concessão, à medida que se vai avançando nos projetos. Era possível avançar em Boticas sem ter acesso a estes terrenos? Não, por isso é que a servidão administrativa existe, para permitir ter acesso quando ele é absolutamente necessário. Para fazermos a confirmação de engenharia, um passo em que estamos agora a entrar, para submeter, depois, o relatório de conformidade ambiental do projeto de execução, para submetermos os trabalhos de engenharia finais, a contratualização para construção, mas também a contratualização para financiamento, precisamos de passar por trabalhos que estão previstos nesta servidão administrativa. Que trabalhos são esses? Furos de sondagem, que não são mais do que o que se faz, normalmente, num furo de água. O objetivo neste caso é retirar uma amostra da rocha, para se fazer o trabalho de compreensão do fundo que lhe está subjacente. Vamos fazer alguns furos de sondagem complementares a todos os que já fizemos ao longo destes últimos anos. É um trabalho que a região já conhece muito bem. Neste caso, há uma particularidade adicional que é haver alguns trabalhos de sondagem bastante menos profundos do que o habitual, porque estão associados a confirmar, por exemplo, se é possível pôr a unidade produtiva - a fábrica - exatamente ali. Serão feitos furos de cinco a dez metros para compreender os fundos em que vai assentar os pilares da fábrica. Houve alguma tentativa de adquirir estes terrenos para evitar a servidão administrativa? Sim, evidentemente. Estamos há três anos num processo de aquisição amigável de terrenos na região, que decorre com bastante naturalidade à medida que vamos avançando. Quantos terrenos já adquiriram? Mais de 100, neste momento. E com a servidão administrativa qual é a dimensão da nova área a que vão ter acesso? 46 hectares [área de influência do projeto é de 840 hectares, dos quais 542 são da concessão mineira, sendo necessários para a operação nos primeiros anos 389 hectares - 246 hectares são terrenos privados e 594 baldios, segundo informação obtida após a entrevista]. Na área [prevista pela autorização] teremos possibilidade de fazer pequenas plataformas para fazer furos [de prospeção], retirar o material e, depois, repõe-se o terreno tal como estava e paga-se o valor associado aos proprietários. O que decidimos fazer foi pagar à cabeça a todos, e parte desse valor já está pago. Quanto pagou a empresa, em média, a cada proprietário? O valor que tenho em mente e destacaria é o do baldio de Covas do Barroso, pelo qual pagámos 50 400 euros. Será uma utilização muito localizada, muito temporária [nas aquisições amigáveis, a empresa tem pago entre 20 mil a 25 mil euros por hectare]. "Boticas deverá receber, por ano, cerca de 10 milhões de euros, que permitirá duplicar o orçamento do concelho e a sua capacidade de investimento em infraestruturas" A servidão administrativa tem um período de um ano. Significa que os terrenos serão devolvidos ao fim de um ano? No âmbito da servidão administrativa não há tema relativo à propriedade. Mas a expropriação... Vem na sequência. Desde há alguns meses que vínhamos referindo que em algum momento terão início processos de expropriação. Também tínhamos referido, há bastantes meses, que haveria um processo de servidão administrativa, que teria resultados até ao final deste ano, que foi o que se confirmou nos últimos dias. Nos próximos tempos, faremos entrar o pedido de expropriação, que é um pedido que inicia um processo formal e legal, que tem todos os trâmites bem definidos. A única diferença entre este e outros projetos que recorrem a este tipo de figura jurídica é que tentámos fazer aquisições amigáveis, e diria que isso correu bastante bem, estamos numa região onde o parcelamento é bastante difuso, com fronteiras entre terrenos um bocadinho mal definidas, e há muitas pequenas propriedades nas mãos de herdeiros que por vezes nem têm o registo feito ou bem acompanhado [de documentação]. O processo de aquisição amigável tinha por objetivo ocupar o tempo em que ainda não precisávamos dos terrenos para fazer a resolução dos temas relativos aos terrenos por parte dos proprietários que quisessem vender. Acho que correu bem, temos estado a pagar um valor standard para todos, que é bastante acima do valor de mercado [na região], mas que achamos adequado e, enquanto for possível, vamos manter essa solução [dois euros por metro quadrado para terrenos florestais e 2,5 euros por metro quadrado por terrenos agrícolas], mas agora já em paralelo com o processo de servidão e de expropriação a iniciar-se. Quando começa o processo de expropriação? Começará já nos próximos dias. Em algum momento falaram com o Governo para acelerar todo o este processo? Pelo contrário, a servidão administrativa demora, normalmente, poucos meses. Neste caso, fizemos o pedido em novembro do ano passado e demorou bastante mais do que seria expectável. Surpreendeu-o a posição de Fernando Queiroga, presidente da Câmara Municipal de Boticas, que disse estar "preocupado" e "desiludido" pela forma e rapidez como a servidão foi atribuída? Não, porque já estamos há alguns anos a fazer trabalho na região. As posições dos vários intervenientes já são bastante conhecidas e a linha de argumentação também. Ao dia de hoje, já não há grande surpresas. Creio que nem nós surpreendemos as contrapartes, nem as contrapartes nos surpreendem muito. Compreendo que há uns anos o presidente da câmara, num contexto diferente, tenha ficado numa posição de oposição ao projeto por razões várias, possivelmente até pela forma como algum dos meus antecessores tratou o assunto - são águas passadas. Mas compreendo que numa fase final de mandato o presidente da câmara tenha de manter uma posição de proximidade a um grupo de pessoas que mantém oposição ao projeto, que são cada vez menos graças aos nossos esforços, por estarmos na região e nos abrirmos à comunicação e ao contacto com todos. Cada vez mais pessoas compreendem o interesse e a importância do projeto para a região. Mas a autarquia dava sinais de nos últimos meses já apoiar o projeto. Não diria, nem anteciparia apoio nesta fase. Temos construindo um diálogo cada vez mais construtivo e isso é bom. Ainda na semana passada, falei com vários intervenientes da câmara [municipal] para colocarem questões e falarem de alguns pontos de coordenação relativos aos trabalhos que estão a decorrer, e as conversas decorreram, e decorrem, com uma normalidade institucional que acho saudável. Essa normalidade institucional não existia há um ou dois anos, por isso, não diria que haja apoio mas já há mais um bocadinho de capacidade para fazer um trabalho saudável e com um mínimo de coordenação e acompanhamento na região. Receia que esta recente polémica gere mais litigância? Houve alguns processos no passado, alguns ainda decorrem. O grupo de oposição ao projeto recorreu por várias vezes a argumentos legais para tentar parar o projeto. É possível que tente fazer outra vez a mesma coisa, mas vejo isso como um passo normal do lado deles. Do nosso lado, sabemos que estamos a fazer as coisas de acordo com as melhores práticas. É uma questão de vermos que pontos de oposição ou preocupação são apresentados e responderemos onde for necessário. Quantos processos judiciais ainda estão em curso? Menos de cinco, e todos eles com uma base [legal] muito pouco material. É uma questão de tempo até haver oportunidade de clarificação. O grupo de pessoas que se tem oposto à mina de lítio em Boticas tem sido representado pela associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso, que se queixa de que algumas pessoas usam aquelas terras para cultivos e pasto. É um argumento que compreendo ser apelativo para quem quer convencer pessoas que não conhecem a região. Nesta área que está sujeita à servidão administrativa, ao dia de hoje, 90% é floresta industrial de pinho, outros 5% ou 6% são caminhos não produtivos e outros 3% a 4% são terrenos usados para forragem. A área que estamos a falar não é considerável para a realidade local e na área que estamos a trabalhar não há uma única utilização agrícola para além de forragens. Não há espécies protegidas afetadas, nem agricultura biológica afetada, nem proprietários que vejam a sua vida materialmente alterada. Na fase de expropriação, a natureza dos terrenos é similar e estaremos a trabalhar uma área que está toda dentro da área da concessão ou de implementação do projeto, que representará menos de 12% de toda a área do baldio de Covas do Barroso. "Quando iniciar operação, a partir de 2027, a produção de lítio da Savannah deverá gerar 300 empregos diretos e entre 1000 e 2000 empregos indiretos num município com 6000 habitantes" Qual é a importância do projeto de lítio do Barroso para a região e para o país? Já é hoje um projeto de dimensão relevante para o município e para região e vai ser, à medida que vamos avançando, uma oportunidade de valor muito considerável para o país e, de certa forma, para a Europa, no objetivo de transição energética que a sociedade nesta geração partilha. Há vários projetos de lítio no país e todos são muito diferentes, ao contrário do que parece. Qual é o caso da Savannah? O nosso projeto tem a sorte ou a oportunidade de trabalhar uma área que é a espodumena, que é a melhor matéria-prima mineral para refinarias de lítio. Os outros projetos não têm essa sorte e, por isso, têm dificuldades adicionais do ponto de vista de competitividade e viabilidade. Este é o maior projeto de espodumena de lítio da Europa, só tem comparação com um projeto na Finlândia que está em fase de construção, um pouco mais adiantado que o nosso cerca de ano e meio. E está a fazer um trabalho muito interessante para a Finlãndia, que pode agregar valor à fileira de baterias e de veículos elétricos, com um recurso mineral similar de espodumena, mas cerca de 40% menor [de qualidade face à matéria-prima identificada em Covas do Barroso] ao dia de hoje. Além disso, o nosso projeto tem efeitos colaterais positivos, porque em conjunto com o mineral extraído vêm outros que são tratados na nossa fábrica, na unidade de purificação. Faz-se a separação do quartzo, do feldspato e da mica, e cada um destes elementos pode ser utilizado em indústrias relevantes: o quartzo na indústria dos vidros, que Portugal tem ainda alguma capacidade interessante; o feldspato nas cerâmicas, uma indústria muito tradicional em Portugal e em Espanha; e a mica é utilizada para isolamentos e para alguns componentes automóveis. Qual é a importância deste recurso? Este recurso de espodumena de lítio é muito importante, porque a Europa precisa de acelerar a transformação do seu setor automóvel, onde tem ainda cerca de 14 milhões de empregos, é muito considerável à escala europeia e tem poucas soluções de transformação já implementadas. Mas quer implementar várias. Ainda na última semana foi anunciada mais uma fábrica de baterias de grande dimensão [da CATL] acoplada à fábrica da Stellantis, em Espanha [que deverá entrar em operação em 2028, produzindo um milhão de baterias por ano]. Há vários outros projetos ou em construção ou em preparação. Ou já em atividade entre a Alemanha, os países de Leste, e entre França e Espanha, e também em Portugal. Mas há muito trabalho para fazer porque toda a indústria automóvel precisa de se adaptar ao novo paradigma da mobilidade elétrica, como a indústria automóvel chinesa se preparou e se adaptou com cerca de 10 anos de antecedência. Há uma importância geoestratégica muito grande de ter recursos que alimentem esta cadeia de valor e que preparem esta cadeia de valor para ser resiliente para as próximas décadas. É um tema europeu, de geopolítica e geoestratégia, mas também é um tema de valores. Quando há uma necessidade grande, há oportunidades de grande valor. É aí que entra a Savannah. Bem como outros players que estão a trabalhar a fileira das baterias a partir de Portugal, a serviço da Europa. Esta é uma indústria totalmente exportadora e, por isso, também importante. Nós só trabalhamos um passo da cadeia de valor, o que aumenta muito a probabilidade de se implementarem outros passos nessa cadeia de valor. Já vimos isso na Austrália, que há cerca de dez anos tem projetos de dimensão similar ao nosso - alguns maiores - e que tem estado a alimentar a indústria chinesa. E por ter esses recursos minerais está a conseguir integrar elementos adicionais na cadeia de valor, conseguindo construir empresas de muito grande dimensão a partir desse recurso mineral, tal como é o objetivo da Savannah desenvolver-se. E empresas de grande dimensão são empresas que trazem valor considerável, porque trazem muitos empregos, e empregos bem pagos, porque trazem muito negócio às empresas da região. "Até ao final da primeira metade do ano tínhamos investido mais de 40 milhões de euros neste projeto. Vamos continuar e, até ao arranque da operação, estimamos ter investido 350 milhões de euros" Quantos empregos espera a Savannah criar no país? Começamos a concentrar cada vez mais a atividade em Portugal. Temos já algumas dezenas de pessoas em Boticas, em grande parte pessoas que são das aldeias da região. Numa primeira fase da operação, teremos uma equipa de cerca de 300 pessoas e os estudos de efeito colateral que pedimos à Universidade do Minho apontam para entre 1000 e 2000 empregos indiretos gerados. Isto num município que tem 6000 habitantes. Isso a partir do momento em que a empresa entrar em operação, ou seja, a partir de 2027? Sim, de 2027 para a frente. E qual será o contributo económico da Savannah em Portugal? Aí há um valor associado ao valor do lítio em mercado mundial e à sua produção. É praciamente tudo em valor acrescentado bruto [VAB]. A receita gerada pelo projeto é praticamente todo o valor acrescentado bruto, que depois é distribuído em salários, em royalties , impostos... Estamos a falar de um projeto que, em qualquer circunstância de mercado, vai trazer centenas de milhões de euros ao ano de valor acrescentado bruto adicional ao país. Nesta primeira fase, estamos a falar de cerca de mil milhões de euros de impostos e royalties que lhes estão associados. É um valor muito significativo, tanto na perspetiva de VAB como na perspetiva de valor direto para o país e para a região, porque parte dos royalties fica na região. Quanto já foi investido pela Savannah neste projeto em Portugal? Até à primeira metade deste ano, tínhamos investido mais de 40 milhões de euros de capitais próprios. Continuamos a investir a uma velocidade considerável e o investimento total daqui até ao momento de início da operação, em 2027, está estimado em cerca de 350 milhões de euros. Quando é que vai estar tudo pronto para se iniciar a operação, em 2027? Todo o plano para início da operação em 2027 inclui todos os passos que lhe estão associados: precisamos de fechar a engenharia de detalhe, o relatório da conformidade ambiental do projeto de execução e submetê-lo; fechar a aquisição de terrenos pelas várias vias associadas, acelerar a construção da equipa - esperamos fazê-lo mais cedo possível e com pessoas da região; precisamos também de contratualizar equipamentos, a construção e o financiamento. Precisamos de pôr todos estes elementos no local. A servidão [administrativa] e a expropriação, que vem na sequência das aquisições, são só uma parte mais visível desse trabalho. O plano é ao longo de 2025 fecharmos todos os elementos necessários para início de construção no final de 2025, ou início de 2026. O ano de 2026 será praticamente todo em construção e mobilização do equipamento para depois começarmos a produzir em 2027. Em que altura de 2027? O mais cedo possível. Quanto mais cedo, mais rapidamente os empregos serão criados. Por exemplo, só nesta fase da servidão administrativa mais cinco empregos foram criados na região. Não é imenso, mas são já mais cinco famílias locais com um salário digno. Primeiro empregos, depois porque os royalties que estão associados começam a ser aplicados no momento da produção, tal como os impostos. E porque o mercado Internacional aponta que entre 2027 e 2029 haja uma falta lítio. Associado à falta de lítio cumprimos três coisas: cumprimos o nosso propósito, porque servindo uma falta e não um excesso estamos a acrescentar valor à economia mundial - se estivessemos a produzir em 2022, teríamos sido o nono maior projeto do mundo em termos de produção, não em termos de dimensão da área de exploração, mas em termos da produção que lhe está associada. Aproveitando momentos de falta de oferta, há preços mais elevados e com isso há mais impostos e mais royalties; depois, vai ao encontro dos objetivos de construção da cadeia, de valor a jusante e com os objetivos de cumprimento do Ato das Matérias-Primas Críticas que a União Europeia criou, com objetivos até 2030. Entregando o projeto em 2027, o mais cedo possível, estamos a cumprir bem com esses objetivos e a ajudar a Europa a pensar em objetivos mais ambiciosos, que não desacelera na transição energética e consegue manter-se a boa velocidade. E estamos a aumentar a probabilidade de haver mais projetos na fileira em Portugal. A data de início da operação já foi 2026. O que houve para adiar a previsão para 2027? A servidão administrativa demorou mais do que esperávamos. Contando com os trabalhos técnicos que ainda faltam, a data de arranque da produção poderá resvalar novamente? Espero que não. Eventualmente até há a hipótese de nalguns passos deste planeamento termos sido ligeiramente conservadores, mas só o tempo o dirá. Vamos ver. "[O lítio] é um tema europeu, de geopolítica e geoestratégia, mas também é um tema de valores. Quando há uma necessidade grande, há oportunidades de grande valor" Os investidores olham para o calendário com ansiedade ou calma? Temos mudado a nossa base de acionistas e de investidores no sentido de serem investidores que cada vez mais compreendem aquilo que estamos a fazer e que veem o valor do que estamos a fazer. A base acionista, neste último ano, tornou-se bastante mais portuguesa e, portanto, com isso temos mais endosso de Portugal e temos mais valor acrescentado que ficará nas mãos portugueses, também pela base acionista. Acrescentámos à base acionista um acionista estratégico, um player holandês, a AMG Critical Materials, com um bloco adicional de ações [e que assegurou 25% do lítio extraído na mina do Barroso], e um conjunto de elementos de parceria estratégica que são importantes para a fileira. E a cotação da ação recuperou bastante ao longo deste ano. A poucos dias do fecho do ano, acabaremos com uma das melhores performances no setor do lítio, a nível mundial. O setor andou um bocadinho de lado este ano, nós conseguimos evoluir bastante, foi das melhores performances em termos de crescimento do valor de ação. Qual será a perspetiva? Na segunda-feira [a entrevista realizou-se na manhã de terça-feira, 17 de dezembro], estávamos ligeiramente acima de 100% de valorização da ação ao longo deste ano, 105% salvo-erro. Já referiu que haverá royalties para o munícipio. Que contrapartidas estão previstas para Boticas? Este é um projeto de concessão mineira e as concessões têm um conjunto de regras que lhe estão associadas. Há um enquadramento legal específico, e associado a esse enquadramento legal e ao contrato de concessão mineira está um valor de royalties definido, e a nossa expectativa é que esse valor acabe por ser dividido entre o Estado central e o município. Fizemos uma conta relativa a royalties e outros efeitos para o município há uns meses e, por agora, mantemos o valor. É um valor que vai flutuar ao longo do tempo, de ano para ano, e estamos a estimá-lo em cerca de dez milhões de euros de média anual. É uma duplicação de orçamento [municipal] e é uma multiplicação por muitos da capacidade de investimento que o município tem para criar melhor infraestrutura, mais prosperidade e melhor qualidade de vida para a sua população. É um valor considerável. Muito considerável, e que pode ser utilizado de formas muito adequadas e benéficas para a população. Depois temos outros elementos, como a criação de mais emprego e mais a fixação de nova população e a revitalização e requalificação de algum de património habitacional. Estamos neste momento a fazer duas obras de requalificação de pequenas casas em Covas do Barroso, para que parte da nossa equipa também lá possa morar. Isso é só o início desse esforço. E, depois, temos a certeza que ao longo do tempo vamos contribuir, direta ou indiretamente, para todos os elementos adicionais. Vale a pena ver a realidade de Castro Verde [distrito de Beja]. Boticas está, infelizmente, nos municípios com pior performance em desenvolvimento económico e humano do país, já Castro Verde está dentro dos melhores. Ambos os municípios têm uma área e uma população que não são assim tão diferentes, e um contexto de interioridade que é similar. Só que Castro Verde tem há algumas décadas a mina da Somincor a trabalhar. E a partir de 2027 Boticas terá a mina da Savannah. Quanto a infraestruturas, há algum tipo de obra que a Savannah, em concreto, irá assumir sob forma de contrapartida? Não é bem uma contrapartida, mas está associado ao nosso projeto de mobilidade para um grande conjunto de camiões [irão transportar o lítio produzido] e, associada a essa mobilidade, incluímos no projeto uma estrada que faz o acesso direto da área de exploração à autoestrada A24. Na verdade, é um conjunto de estradas que se fazem em sequência. Vai permitir aos camiões circular sem passarem pelas aldeias, o que melhora as condições de segurança na área envolvente e tem o efeito colateral de parte dessas estradas ser para uso de todos, aumentando a velocidade de acesso à autoestrada, e cidades como Chaves e Vila Real. Quantos quilómetros de estrada serão assegurados pela Savannah? Entre 30 a 40 quilómetros de estrada nova. A Declaração de Impacte Ambiental (DIA) da Agência Portuguesa do Ambiente para este projeto foi condicionada a cerca de 180 medidas. Há outras medidas importantes, além dos exemplos já mencionados? Há duas formas de se obter a DIA. A primeira forma é pedir a DIA condicionada aquando da fase de engenharia, é a base, e, depois, há que confirmar a DIA no momento em que se executa a engenharia de detalhe. Outra forma é ir direto até à engenharia de detalhe e pedir a via final logo no momento. O nosso projeto encaixava melhor no primeiro caminho legal. A DIA foi obtida em maio do ano passado e estamos, evidentemente, a ter o cuidado de cumprir com os elementos que estão associados: há um conjunto de regras a cumprir para que as obras de construção se façam em segurança; um conjunto de regras a cumprir para assegurar que o lobo ibérico e o mexilhão de rio e outros elementos de natureza na região não são afetados; um conjunto de regras associado ao projeto para não usar água dos rios locais e efluentes. A partir do momento em que tudo estiver em operação quais serão os principais mercados a servir? O mais próximo possível, porque será o melhor para todos. A pegada carbónica será menor? Os esforços serão menores, a eficiência da cadeia logística será melhor, e estaremos mais próximos de servir a Europa e Portugal. Projetos destes têm uma base de clientes que vai evoluindo. Este tipo de projetos são catalisadores de outros investimentos, mas que podem vir ligeiramente mais tarde. Portanto, primeiro ponho as bases da casa, que é para depois construir o resto. Isto quer dizer que, numa fase inicial, até poderemos levar o produto um bocadinho mais longe para depois, à medida que o projeto vai evoluindo e a cadeia de valor se vai montando e ficando mais próxima, ter cada vez mais clientes em proximidade. Isso é um objetivo nosso e, creio, que também de Portugal. Portugal, ao contrário do que por vezes se refere, tem uma fileira automóvel que é considerável. Portugal e Espanha, nos últimos anos, produziram um em cada cinco carros da Europa. Naqueles 14 milhões de empregos que referi, e na produção que lhes está associada, há muitas centenas de milhares de empregos na Península Ibérica. Milhões associados a esta fileira. Nós achamos que há potencial para mais. "Fim do projeto Aurora, da Galp e Northvolt? Faz parte do processo" Como? Há potencial para a reconversão deste aparelho industrial para a próxima geração de veículos e há potencial para que a fileira possa singrar e crescer. E nós faremos o nosso papel. Já vimos nas últimas semanas alguns anúncios que vão nesse sentido. Vemos também anúncios de projetos que não vão para a frente. É o caso da Aurora, a parceria entre a Galp e a Northvolt que prometia uma refinaria de lítio na região de Setúbal. Faz parte do processo de construção de uma fileira, nem todos os projetos têm sucesso logo numa primeira fase. Surpreendeu-o? Não, mas tenho esperança que aquele ou outros projetos serão montados no futuro. A Aurora estava num contexto particular, com dois acionistas com caminhos diferentes, a Northvolt, com dificuldades grandes, a Galp com uma oportunidade muito grande no seu core business , no projeto da Namíbia. É normal que nesse contexto, perante um projeto que ainda é desafiante para montar, houvesse dúvidas no curto prazo. É possível haver refinarias de lítio sem o contributo da Galp? Sim, uma ou várias. Há a parceria do grupo José de Mello com a Bondalti, a Lifthium Energy, que está a montar uma refinaria de lítio em Estarreja [distrito de Aveiro]. Tenho a expectativa que a Lifthium consiga fazer avançar o seu projeto, e o consiga fazer em Portugal. Já referimos que o nosso parceiro AMG tem a primeira refinaria de grande dimensão na Europa, aberta em setembro deste ano na Alemanha, e tem o objetivo a médio-prazo, e estamos a trabalhar para que a próxima refinaria venha a ser em Portugal. Haverá outros projetos, eventualmente, além destes, a construir ao longo do tempo. Mas fileiras demoram construir. Mas é preciso atuar nas bases para que a probabilidade de sucesso das restantes partes aumente . E não há só refinarias, há, por exemplo, a fábrica da CALB em Sines, fábricas de menor dimensão como a da MeterBoost, da Luxor Energy ou o trabalho da DST na reciclagem de baterias. Há muita gente a olhar para esta fileira. E essas empresas têm mantido algum diálogo com a Savannah? Claro, evidentemente. Serão clientes da Savannah? Eventualmente a prazo todas as peças do puzzle, que é uma fileira, vão-se juntando. Já falou na AMG, que através da parceria com a Savannah terá direito a 25% do lítio produzido na mina do Barroso, numa primeira fase. Para onde irão os restantes 75%? A seu tempo saber-se-á. Temos várias conversas em curso bastante interessantes, com alguns players mundiais de renome na área. Algum já com presença em Portugal? Não posso dizer. Neste momento, as coisas estão a decorrer exatamente como é necessário para o nosso projeto, estamos bem. Poderá vir da Alemanha um novo parceiro? Eventualmente, ou de outras geografias. Há hipótese da Alemanha, de Portugal, da América Latina, da China... Perguntei pela Alemanha porque, recentemente, o governo federal alemão manifestou interesse em participar no financiamento do projeto de lítio no Barroso. Como está esse processo? Está a avançar com naturalidade. O primeiro anúncio que fizemos foi relativo à carta de interesse [não-vinculativo], um passo relevante porque valida que entidades do Estado alemão, e bancos de desenvolvimento como a Allianz Trade,a Euler Hermes e o KfW, que são de topo mundial, olham para este projeto e para o que fizemos como prova de qualidade e de interesse estratégico. É um passo importante na estrutura de financiamento completo, mas temos várias outras frentes de trabalho com potenciais financiadores e a seu tempo chegaremos ao resultado. "Há empresários e particulares da região de Boticas entre os investidores da Savannah" Qual é a expectativa? Para começarmos a construção, teremos em algum momento de fechar a estrutura de financiamento para a primeira fase. A nossa expectativa é que ao longo de 2025 vamos trabalhar as várias fontes de financiamento e fechá-las. No caso do investimento alemão, a queda do Governo poderá penalizar o processo? Não, porque as instituições europeias e de países como a Alemanha são fortes e fazem o seu caminho e seguem trabalhando, independentemente, dos timings políticos. Voltando ao tema dos acionistas. Mencionou antes que o interesse português cresceu e, nos últimos meses, a Savannah tem atraído o interesse de empresários como Mário Ferreira, dono da Media Capital e Douro Azul - será o caso mais visível, com 10% do capital. Qual é o volume dos empresários portugueses no capital acionista? Deve estar à volta dos 20%. É considerável. Há um ano e meio era entre zero e 1% do capital em mãos portuguesas. Há empresários locais, da região de Boticas, entre os investidores? Sim, empresários e particulares. É bom, satisfatório, ter cada vez mais portugueses a bordo, com investimentos em função das suas poupanças e da sua capacidade financeira. E o Estado português está nessa estrutura? Não creio que o Estado português tenha viés para uma participação acionista neste tipo de projetos. Nesta fase, não se coloca essa questão agora. O Estado português, assim como a União Europeia, são decisores no que toca à alocação de financiamentos públicos. Para este projeto - e recordando o caso da Finlândia, que teve apoios estatais e da União Europeia - é possível que surjam programas de apoios para os quais somos elegíveis, mas isso não é uma participação acionista, é uma promoção do desenvolvimento do projeto. Emanuel Proença, presidente executivo da Savannah Resources. Foto: Reinaldo Rodrigues José Varela Rodrigues